segunda-feira, 9 de abril de 2007

"Novas Independentes nos esperam"

O caso Universidade Independente trouxe à luz do dia várias questões. Num artigo de opinião recente intitulado "Novas Independentes nos esperam" Paulo Peixoto alertava para os perigos da liberalização do Ensino Superior (Publico 4/4/2007). É uma boa reflexão agora que nos inclinamos para novas formas de gestão dos estabelecimentos de ensino superior.
Mesmo que o Governo decida hoje que a Independente pode continuar (com um Reitor que será próximo do Governo mas com um perfil algo diferente do que a tutela desejaria) existem já danos para a instituição que poderão ser irremediáveis. Isso afectará talvez a imagem de outras instituições já afectada por um outro caso (Moderna).
Existem Universidades privadas de méritos reconhecidos. Algumas ultrapassam mesmo instituições de Ensino Superior publicas. O sucesso da Universidade Católica, sobretudo na área da Gestão, demonstra que o ensino superior privado não é sinónimo de falta de qualidade. Mas infelizmente é a excepção que confirma a regra.
E vem novamente ao de cima o dualismo entre a liberalização e a regulamentação. A pergunta aqui tem de se centrar apenas num elemento: qual garante qualidade? Sendo que essa qualidade é a garantia de futuro para o país (e o debate é muito semelhante ao da liberalização de outras áreas, como a que assistimos na arqueologia).
Poderá uma universidade privada ser uma universidade de qualidade? Sim pode, mas essa qualidade tem de ser exigida ou pelo mercado ou pelo Estado. Sinceramente acho que a força do mercado seria determinante pois consegue ser bem mais poderosa do que a força do Estado. Mas só um cândido pode acreditar que o mercado é simples e se rege pelo boa-vontade. O mercado não é bom nem é mau: é. Porque é composto por pessoas e estas não possuem um traço fundamental bom ou mau (a essência do ser-humano é ser).
O papel do Estado é exactamente esse de poder conduzir o mercado para o que pode ser o bem-comum (como na estátua em que um poderoso garanhão é domado por um ser humano).
Em Portugal o mercado (ou seja nós) não exige qualidade. Exige quantidade e baixo preço. O nosso mercado reflecte a lógica que impusemos às populações. Elas foram conduzidas neste modelo, baixo custo/baixo preço/em quantidade. Sair cedo da escola para trabalhar. Ganhar dinheiro para poder alimentar alguns sonhos à medida da (pequena) bolsa. Fazer pela vida.
Esta foi a receita do abandono escolar. Na Escola hoje como no passado, quem quer estudar é o "marrão", o "idiota", o "nabo". Aquele que não sabe nada da vida.
Em Portugal as pessoas fazem pela vida desde cedo sem pensar bem nas consequências. Vive-se no domínio da dicotomia teoria/prática com privilégio para a segunda via. O elogio da prática é o elogio do fazer pela vida. O elogio da teoria reforça apenas esta divergência. A Technê e a Poiesis foram desmembradas. E por isso mesmo é que desconfiamos tanto de quem possa saber. Por isso é que os doutorados não entram nas empresas. Aquele era o marrão que não sabe da vida face ao empresário que a ganhou a pulso. A dualidade reforça-se e a oportunidade perde-se. É uma luta pelo poder através do saber. Afinal quem sabe manda, mas continuamos perdidos sobre o que significa saber (Teoria...Prática...). Enquanto não ultrapassarmos esta divisão não estamos à altura do desafio.
Tal como a nossa pesca nunca passou de arte a tecnologia, podemos afirmar que nunca fomos modernos. Logo estamos condenados a uma espécie de pós-ante-modernidade.
O saber não se articula com o fazer. Por isso mesmo reforçaram-se as Ordens. O corporativismo tornou-se o arauto da qualidade e da regulamentação ante o Estado e o Mercado. As licenciaturas em Engenharia tornaram-se a caricatura de tudo isto.
Ainda me lembro da Engenheira Fábia. A história conta-se rapidamente. O Gabinete de Informática do IPT indicou-me uma loja de informática que prestava bons serviços. Disseram-se para contactar a Engenheira Fábia. Pensei logo que se trataria de alguém formado em Engenharia Informática que poderia prestar a melhor assistência aos meus problemas. Pensei "Que sorte, temos uma casa de informática que presta serviços de qualidade e com acompanhamento profissional!!". Cheguei à loja. O espaço era igual ao de muitas lojas de informática. Uma jovem estava no balcão. Perguntei pela Engenheira Fábia, esperando ter acesso à especialista. A rapariga prontamente me respondeu: "A Engenheira Fábia sou eu". Com a licenciatura em Engenharia Civil a Fábia estava agora atrás de um balcão. Era especialista em tabelas de preços e fornecedores. Infelizmente pouco me poderia ajudar no tipo de aconselhamento informático que eu precisava, mas indicou-me um excelente preço para uma placa-gráfica.
A Engenheira Fábia tentou o caminho do saber, mas acabou como todos a fazer pela vida. Segundo ela em Portugal é o único caminho. Acham que ela vai querer que os filhos tenham uma licenciatura?
Afinal em Portugal o que significa estudar? E o que significa estudar numa universidade independente?