domingo, 15 de abril de 2007

zoo

Aquele que não se conforma com a banalidade dos dias, faz do espanto uma metodologia, um modo de estar.
Mas esse espanto pode (e hoje deve, acho) coexistir com uma suspensão do juízo, nomeadamente do juízo moral: pode ser o espanto puro do poeta, por exemplo.
Porém, atenção: de facto, este ou qualquer outro "criador", não se pode julgar a si próprio, ou ser julgado, superior ou inferior a ninguém, porque não há uma escala de valores universal, e não temos por onde aferir coisas tão complexas como o ser humano, as suas escolhas, as suas "opções" como hoje se diz.
Por mais estranhas que elas sejam - por mais que provoquem espanto àqueles que nasceram e foram educados em épocas mais normativas, anteriores à filosofia corrente, neo-liberal, segundo a qual cada indivíduo tem o direito e o dever de se inventar - estamos de certo modo coibidos de qualquer juízo moral expresso.
Claro que se trata de uma atitude eminentemente cínica, porque na verdade, sem nada dizer, "para os nossos botões", estamos sempre a fazer juízos.
Só que aprendemos que, para viver, temos de percorrer o mundo como quando éramos miúdos e íamos ao jardim zoológico pela mão dos nossos pais. De facto, todos os dias a realidade nos surpreende... como quando íamos ao zoo.
Olhando para as jaulas, os expositores, a vida dos "outros" bichos, dizíamos para nós próprios, "que engraçado", "como é diferente", etc. E líamos na tabuleta a zona do mundo de onde vinha, qual era o nome, a espécie, os seus hábitos naturais, etc.

É assim. O mundo transformou-se num enorme zoo. E cada um de nós é uma "avis rara", com a sua etiqueta, que, quanto mais exótica for, desde que não incomode os visitantes, melhor: dá mais entradas de bilheteira.
De forma que, observadores e observados, aqui estamos todos, neste zoo, bem comportados, vigiados, carinhosamente tratados pelos nossos "curadores", a quem devemos uma palavra de agradecimento por podermos assim, de fora ou de dentro das vedações, exercer o nosso espanto, e cada um conformar-se ou não com o destino que tão cuidadosamente preparou e lhe foi preparado.
Mesmo os discursos críticos estão, pelos vistos, perfeitamente integrados; e os antigos "filósofos" que queriam mudar o mundo, apresentam-se hoje mentalmente "engravatados", e muitos cobram caro pelas suas intervenções públicas, em foruns afamados. Assumiram inteiramente que são uma mercadoria como qualquer outra.
Já que são "avis raras", como cada um de nós, mas de exposição pública, então que pague bem quem pode para as ver, e, para na sua presença, também ganhar algum estatuto: o prestígio do apresentador e do fruidor do raro. E cá fora os livrinhos de todos, atempadamente postos sobre uma mesa, completam o negócio, e o público esgota-os. Os livreiros deviam estar atentos a estas "parcerias", nomeadamente nos locais da moda, onde multidões procuram cultura como antes se procurava Deus nas igrejas. Questão banal de economia simbólica.

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