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"Os Problemas de Portugal - Mudar de Rumo"
A VIDA DOS LIVROS
de 1 a 7 de Fevereiro de 2010
O Prof. Vitorino Magalhães Godinho acaba de dar à estampa um pequeno
volume intitulado "Os Problemas de Portugal - Mudar de Rumo" (Colibri,
2009). É de saudar a vitalidade de espírito do mestre da
historiografia moderna portuguesa, que nos apresenta um conjunto de
temas, de reflexões e de propostas, que constituem um desafio
estimulante a que haja um debate aprofundado sobre o presente e o
futuro. E o certo é que, muito mais importante do que uma proposta
política, o que está em causa neste contributo é uma reflexão
intelectual séria, que merece especial atenção e que deve
constituir-se em estímulo e desafio para todos. Nada pior do que
continuarmos a oscilar entre o conformismo fatalista dos que preferem
ver só os aspectos negativos da vida nacional, sem cuidarem de saber
os caminhos que podem e devem ser trilhados, e o optimismo primário
dos que julgam que poderemos superar as dificuldades sem trabalho,
disciplina, exigência e vontade.
PARTINDO DA SITUAÇÃO PRESENTE, o ensaísta fala-nos de uma crise
estrutural, de "entranhadas raízes", a que se junta uma crise
conjuntural de índole económica e financeira. Ora, o único modo de
superar este estado de coisas passa por não insistir nos erros
passados nem pela tentação de dizer que, passada a borrasca,
regressaremos ao anterior "dolce far niente". Se tal vier a acontecer,
arriscamo-nos a ter uma recaída global de efeitos muito mais negativos
do que os que sofremos no último ano. E olhando para o mundo, temos de
reconhecer que "as políticas de combate à crise pecam desde logo por
não se dirigirem contra a verdadeira e complexa crise, e se reduzirem
a paliativos". Eis por que razão a reflexão em causa ultrapassa uma
lógica puramente nacional, ainda que parta do caso português. No campo
das relações internacionais, é muito pertinente a afirmação da
necessidade de valores e princípios universais: "cabe à UNESCO
garantir a universalização da concepção humanista, rejeitando a
concepção totalitária que atribui direitos aos conjuntos
institucionais, mas não à pessoa humana singularmente considerada". De
facto, uma cultura de paz obriga a que o primado do direito
internacional se associe a um entendimento da globalização a partir da
dignidade humana, do equilíbrio de poderes e influências e de uma
legitimidade democrática. Jaime Cortesão falou-nos do "humanismo
universalista", e temos de o entender não como abstracção, mas como
construção de vontades e coordenação de esforços, em lugar dos
egoísmos nacionais e dos proteccionismos, que apenas tenderão a
eternizar as raízes fundas da actual crise. Quanto à União Europeia é
conhecido o cepticismo de Vitorino Magalhães Godinho (apesar do seu
apego a uma Europa aberta e cosmopolita), no entanto é bom que se
oiçam os seus alertas, que constituem avisos à navegação, muito
bem-vindos para quem entende que é necessário avançar mais numa Europa
de cidadãos e do direito, capaz de coordenar esforços e vontades, de
ter voz na cena internacional, de ter um governo económico (não
confundível com uma lógica burocrática) e de reforçar a coesão social
e económica e a justiça distributiva. E é certo que Portugal deva ser
um "estrénuo defensor da pluralidade cultural, contribuindo com todas
as outras nações para a cultura comum".
DE QUE CULTURA SE DEVE FALAR? De uma "constelação de valores, assente
em três pilares - espírito científico, contribuição artística e
cidadania". Como tenho repetido, impõe-se, assim, que a identidade e a
diferença se afirmem numa ligação permanente entre pedras mortas e
pedras vivas e entre a consciência histórica e a criação
contemporânea. O pluralismo exige diversidade de culturas, mas também
ligação entre povos e cidadãos. "Porque (como diz o autor) Europa ou é
investigação científica e criação cultural ou não é Europa". Quanto à
economia, o historiador fala-nos da necessidade imperativa da economia
real, numa palavra, de uma industrialização, desde que planeada. E
insiste nas responsabilidades do Estado, fala da urgência da
coordenação, descrê de um mercado auto-suficiente... "A iniciativa
pública e a iniciativa privada devem conjugar-se". Modernização e
internacionalização têm de se ligar. A nossa experiência histórica
ancestral tem de ser, por isso, lembrada. Não podemos continuar
dependentes. "A acção do Estado tem de obedecer a directrizes de uma
nova estruturação válida para a longa duração". A melhor maneira de
recusarmos o fatalismo do atraso é anteciparmos as iniciativas
indispensáveis para que possamos tirar o maior partido possível do que
somos e do que temos. Daí a necessidade de ligar economia, ciência,
educação e cultura. Se não aprendermos com a experiência, se não
formos mais exigentes na educação e na formação não avançaremos. Daí
ainda a insistência especial na reestruturação do Estado - constituído
por um conjunto de sistemas organizacionais, cada qual com a sua
especificidade. Trata-se, todavia, de um tema em profunda mutação,
devendo compreender-se que há espaços novos de partilha e articulação
de soberanias que têm de ser compreendidos e aprofundados. Não falamos
apenas do Estado tradicional, mas de um Estado moderno que é, a um
tempo, grande e pequeno de mais, e que precisa da coordenação
supranacional, da afirmação nacional, da desconcentração e da
descentralização. Alexandre Herculano dizia aos eleitores de Sintra "é
necessário que a vida pública renasça". E afirmava ainda que "a
descentralização é a condição impreterível para a administração do
país pelo país". Eis o que teremos de ter em linha de conta, devendo
haver capacidade de orientar, de coordenar e de planear.
E O SISTEMA EDUCACIONAL? O "seu papel é tanto mais relevante, quanto a
economia em todas as suas facetas supõe agentes com uma base de
cultura geral que lhes permita o pensar". Para que a aprendizagem seja
o factor essencial do desenvolvimento, impõe-se que haja ligação entre
educação de qualidade para todos e vida activa, e que haja relevância
das formações (artísticas, técnicas, profissionais). Daí a
consideração da especificidade dos diversos níveis de educação -
capazes de permitir que se conheça melhor "o mundo em que vivemos", "a
nossa pátria e os seus rumos" e o "ser humano, no singular e no
plural", numa palavra, precisamos que haja consciência geral da
dignidade humana. Precisamos de ser culturalmente mais exigentes, para
que deixemos de estar condenados à periferia, à mediocridade ou à
menor relevância. E falar de uma política de cultura é pensar na
herança histórica, na memória e no património, mas (e não é de mais
insistir) também na educação, na criação contemporânea e na ciência.
Bibliotecas, arquivos, museus, preservação do património arqueológico
e artístico, ligação à protecção do meio ambiente - tudo tem de ser
devidamente entendido e protegido, mas sempre em ligação com o ensinar
e o aprender. Releia-se António Sérgio nas suas páginas luminosas
sobre a Educação Cívica. Estão actualíssimas e representam a melhor
herança republicana.
UMA CITAÇÃO OPORTUNA. - Jacques Attali, é citado pelo Professor
Magalhães Godinho, quando, a propósito da justiça e segurança, diz
sobre a corrupção: "não devemos perder tempo a atacar os jogadores,
mas sim a mudar as regras de jogo". Trata-se de um domínio da maior
importância para a confiança dos cidadãos. Mais do que todas as
considerações gerais ou demagógicas, preocupadas em encontrar bodes
expiatórios, é preciso ir à etiologia do mal. E diz-nos o ensaísta: "o
que chamamos corrupção não passa, salvo casos precisos, de regular
funcionamento da economia na sua estrutura actual, e se queremos
debelar o mal, temos é de mudar essa estrutura...". Eis por que razão
a prevenção se torna prioritária, para que se não confunda combate da
corrupção e procura de efeitos imediatos sem qualquer resultado a
prazo largo. É a confiança das pessoas que está em causa, o que obriga
a clareza e simplicidade das leis, a celeridade dos procedimentos e a
boas práticas de um Estado que tem de se afirmar como pessoa de bem.
Daí que haja a necessidade de combater as disparidades em nome de uma
sociedade saudável "não desequilibradamente inigualitária" e de
construir sistemas de serviços públicos eficazes (saúde, educação,
segurança, disponibilidades materiais, organização política e acesso à
cultura) - do mesmo modo que se impõe o ordenamento do território e a
regulação da população e das migrações, bem como a coordenação e a
articulação de acções e de níveis de decisão (centrais, regionais e
locais). Afinal, debater ideias pode-nos levar a melhorar, deixando as
duas atitudes de que nos queixamos - do derrotismo ao optimismo
infundado. Precisamos sim de reflexão e da modéstia (concordando e
discordando livremente) que nos levem a cultivarmos vontade e ética
partilhadas. (J.L., 27.1.2010).
Guilherme d'Oliveira Martins
Fonte: http://www.e-cultura.pt/Artigo.aspx?ID=207
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