quarta-feira, 2 de julho de 2008

em marienbad, em qualquer ano



O que distingue verdadeiramente a mulher
É trazer uma ferida ao meio do corpo?
Uma ferida exposta.
Ao meio, mas sempre como a querer entornar-se

Para os lados.

Daí a necessidade da lingerie
especial, diversificada.
Todo esse aparato de fitinhas e lacinhos,
e decorações.

Todo esse movimento de frenesim

Quando aparece uma mulher como fêmea:
É um cavalo, um animal enorme ferido ao centro
Que se irrequieta com as amarras,

Que pede que lhe mordam as narinas,

Que precisa de ópio

Para adormecer as feridas,

A irrequietude.

É uma estátua equestre.

Ajaezada.

A mulher fica alta.

Há uma praça.

Uns sapatos, ligas, atavios tontos.

Um frisson de bicho, de bicho grande,

Como uma sequóia natural.


Com o tronco cindido.

Com a seiva a pingar, a ser contida

Por um círculo de homens abraçados.


Um cavalo coberto de jóias, de brilhos,
De feridas brilhantes de pus.

A trocar constantemente de pulseiras
nos tornozelos.
A reflectir as nuvens nos cascos.

A querer entrar no filme, para correr.

Ao meio do corpo.


Um corpo de Medusa,

Em permanente rotação.

Irrequietude do que está quieto.
Contido sobre as tapeçarias.


Grande estátua no meio da sala, que cresce

Até ao tecto, e aí bate com as narinas suadas,
Com os bicos dos saltos altos,
Com as protuberâncias, as excrescências.


Pedindo serviços,
Criadas, o redondel de serviçais em volta

Como pombos em torno do animal principal.


O problema é a ferida, que volta sempre.

Desinquieta. E as calcinhas interiores

Onde as figuras voltejam.

Tapam e destapam.
Os espelhos, os candelabros, os reflexos.

Um palácio reúne-se em volta de uma mulher.

Os diplomatas. Os músicos. Os cozinheiros.

E não há maneira.

Não há bacia que contenha isto.


Esta hemorragia de versos,

Como longas escadarias,

Cada degrau pedindo outro,

Cada sala desembocando
Numa próxima, de outra cor.

Cada imagem apresentando outra imagem.

E lá sempre ao centro a cama, o dossel, o trono,

A mulher, o unicórnio.

Os cortinados que se fecham.

Os risinhos que continuam por detrás.


Um pavão arma a cauda no parque, e fica a olhar
Para a única janela iluminada,
Onde tremula uma bandeira.

E ela, bandeira, sangra. Pela ferida.

É a menstruação
permanente do Animal Central.
Com saltos altos, bicos acerados.

Cravados em todo o corpo,

Até ao tecto.


Sempre a querer fugir

À centração do texto, à focagem da retina.


É isso a mulher?
O Cavalo em todo o seu suor
Anterior ao desfile?

Não sei, estou do lado de cá.
Mas há qualquer coisa,
Talvez um permanente acontecimento,
Coberto de jóias.


À espera de apresentação.

Síndrome de Desfile.
Enquanto o mapa-múndi se desenrola.


voj 2008




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Foto: Andy Julia
Fonte: http://www.andy-julia.photography.com/home.htm

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