terça-feira, 15 de abril de 2008

Variação momentânea em torno de frase de V.



O livro está junto de mim.
Envolto numa dor imensa.

Na dor da mesa. Na dor da sombra
Que sob ela se refugia.

O livro está cheio de estigmas.
Cada um deles crucificou sentidos.
O livro deita sangue. É um arquivo de coágulos.

Que se narra ali? Quedas, feridas, tombos.
Abismos onde o ser se despedaça
Mantendo uma esperança ainda.

A vela está sobre a mesa. Oculta o rosto.
O rosto é a sua luz, tão resplandecente
Que deixa apenas as mãos.

E as mãos estão escritas, a tinta do livro
Passou para elas. Os ramos das árvores
São as suas veias.

E as veias espalham-se como a luz da vela,
Como o sofrimento do livro,
Como os mares que flutuam sob a mesa.

Sombra. Morremos entre sombras.
Com os livros à espera.
Tombando para qualquer lado.

Janelas. Olhos. Tardes.
Corpos que se deitam.
Envoltos numa dor imensa.
Como livros. Sobre tampos de mesas.

Cansadas dos pés em que assentam,
Percorridas por formigueiros.

Um grande conjunto de formigas grandes
Vai a correr para longe, tentando fugir
À lógica do livro, ao seu sofrimento inevitável.

Mas longe é perto, brilha aqui no rosto,
Acende-se na vela.

É possível pronunciar uma palavra
Com a língua ao contrário, virada para dentro?

Mesmo para responder não sei
Tenho de usar duas chamas, acender duas vezes
O pavio da dúvida.

Estás junto de mim.
Envolta numa dor imensa.
Literatura. Só literatura.

Até as hemorragias saem de bibliotecas.
Não há nada lá fora,
Nenhuns olhos que percorram o exterior.
Assim como quem circunda um horizonte.

Livro. Mesa. Mar. Um rosto invisível.
Um busto sem rosto.
Um sulco vermelho
Sobre o mármore.

Já foi tudo dito por Magritte.
Olha.





voj 2008

2 comentários:

Treasureseeker disse...

Excelente poema.Muito revelador.
Continue assim!

Anónimo disse...

Dona V: quem é VªExa? Gostava de a conhecer!

Galinha Livre