sexta-feira, 18 de abril de 2008

dois?


Voltamos sempre

Às coisas mais simples,
As diversas posições
Em que dois corpos se unem.

Lá fora os móveis pousaram.
O vento perpassa nas lâmpadas,
Esse vento que torna os corredores
Vermelhos e solitários.

Aqui as árvores torcem-se todas
Neste desespero dos olhares.
Milhões de espelhos, de fragmentos
Flutuam na atmosfera como lantejoulas.

Queremos chegar. Há órgãos que se espalham.
E paredes cuja tinta estala. Luzes.
Imensas figuras que se cruzam
E no entanto nas fotos só dois corpos.

Que se esticam ou retesam, que são ruas
Pedindo aos transeuntes que passem,
Suplicando o seu atrito. Abandono.
Um ou outro som cavo, fundo. Quase grito.

Andamos perto. Levanta bem os pés,
Chega à beira da cama, magoas-me,
Engole-me, aí, o sangue
enerva os corredores, percorre as veias
das paredes.


Agora. Continua. Estou quase.
Há uma caravana de músicos ao longo
Da espinha, uma cresta onde as árvores se torcem.
Um vento enorme.

Abandona-te. Cheira a animal. Descemos
Às profundezas naturais, aos odores de húmus
E de fontes esquecidas. Sobre elas voga a tempestade,
Voam nuvens encasteladas.

Sim, as coisas mais simples. Um curso de água.
Nu como um corpo. Suave como duas epidermes
Que tentam orientar-se nesta desinquietação de músculos.

Joelhos. Tornozelos. Vem aí.
A consumação brutal.

É preciso tempo para que a desordem se instale,
Para que tudo se desmembre,

Para que os corpos possam esquecer o seu saber
E voltar às posições mais simples,
Aos pedestais do amor. Como estátuas
Imunes.

Encaixamento. Intensidade pétrea.
Desdobramento dos tendões. Arcos abrindo.
Flechas, linhas partindo
Como fúrias.

Uma arquitectura tremenda, a de um barco

Caminhando com a sua estrutura nua.

Feita de peças, reflexos de dois corpos
Desmembrados, pedaços que explodiram
E se voltaram a unir.

Sobre a colcha verde, como se fosse

Um prado comum.

Com um tinteiro ao lado, uma assinatura.

Sob as lâmpadas ondulantes. Olhares.
Lampejos fugazes, o papel de parede.

A cabeça debruça-se sobre a mesma erva
Da infância.
E espera pelo rematar de qualquer coisa.

O teu bafejo de animal, o teu seio,
A tua descomposição indecente.
Uma pulsação muito antiga.

Sob a erva, como grandes insectos,
Devoraremos talvez ainda a boca
Um do outro.
Qualquer coisa muito primitiva,

Um beijar de lobos,
Uma irrequietude para morder,
E matar. Fechando com força os maxilares
Sobre qualquer força que resista.

O teu corpo aparecerá
Todo aberto

Como um réptil virado, que poderei abrir
Com o prazer de uma lâmina,
De alto a baixo, metodicamente,

Vendo estremecer o verde da sua vida
Interior.

Mas se essa energia me inundar
Inesperadamente,
Tudo pode ainda recomeçar
No embaraço dos pulsos.


Sob as nuvens para além do tecto,
Nas posições mais clássicas,
Numa confusão de indecoros

Perfurando, percorrendo todas as figuras
Da experimentação natural,
A dos animais e das flores
Amando-se nos campos.


Esse odor, esse mugido.




voj 2008

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