12ª mesa-redonda de Primavera
FLUP, Abril 2008 , 10-11
O PRAZER DE ESCAVAR
Por
Vítor Oliveira Jorge (resumo)
__________
Um arqueólogo, como qualquer outro cientista, tem evidentemente as suas motivações pessoais conscientes (discurso identitário “esperado” ou “correcto” de auto-justificação, destinado de antemão a aprovação social) para a profissão que exerce, para a investigação que faz. E também, como acontece em qualquer outra actividade, há motivações inconscientes (eventualmente “recalcadas” quando se trata de se explicar e legitimar em público enquanto “profissional” institucionalizado), que estão ligadas ao desejo e ao prazer que sente em fazer o que faz. Aqui, a este nível, sujeito e objecto de estudo con-fundem-se, furtam-se à ordem asséptica do saber descarnado, deixando a pessoa, na sua especificidade, na sua respiração, na sua performatividade, “vir ao de cima”. Por muito que essa pessoa seja, até ao seu mais íntimo, uma realidade fluida, em devir, e em maior ou menor parte uma “construção social”, quer dizer, uma entidade que incorporou e se integrou na ordem discursiva aceite.
É este lado “recalcado” que me interessa explorar, pois é o menos explícito, ou então aquele que se torna padronizado em arquétipos ou protótipos fáceis, como os de aventureirismo, de descoberta, de “conhecimento do passado para sabermos quem somos no presente e preparar o futuro” e outras banalidades semelhantes, que nos assombram desde sempre no senso comum.
Desde as ocasiões em que fazíamos “buraquinhos na areia”, durante brincadeiras de praia, até àquelas em que com ramos improvisados construíamos “casinhas” para encenar fantasias próprias das crianças, que a vontade de ver para além do mundo aparente, por um lado (o “voyeurismo” da arqueologia), e a vontade de fazer “mundo novo” por outro (a utopia da arquitectura), numa forte relação com o espaço, o corpo, a interacção afectiva com os outros - estão presentes em nós.
Enquanto que a “primeira” modernidade, para vincar a distância sujeito-objecto, criou um regime em que subjectividade e objectividade nos aparecem divididos, a “segunda modernidade” em que vivemos tendeu a diluir essas fronteiras, valorizando a performatividade mesmo das coisas mais inertes. E o sujeito escavador, arqueólogo, que a um certo nível requintou as suas técnicas de análise e de registo, já não tem vergonha ou medo de, num outro plano, se apresentar falando na primeira pessoa, porque é sempre aí que se enuncia (se encena) a “verdade” da improvisação, do im-previsto, a verdadeira criatividade científica, que faz parte da alegria de viver, de fazer, de comunicar, de inovar, de criar mundos. Trata-se de desinibir as forças que retroagirão positivamente sobre uma renovada energia da “produção do saber”, lutando contra todos os obstáculos e contra a burocratização e academismo, de qualquer matiz.
FLUP, Abril 2008 , 10-11
O PRAZER DE ESCAVAR
Por
Vítor Oliveira Jorge (resumo)
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Um arqueólogo, como qualquer outro cientista, tem evidentemente as suas motivações pessoais conscientes (discurso identitário “esperado” ou “correcto” de auto-justificação, destinado de antemão a aprovação social) para a profissão que exerce, para a investigação que faz. E também, como acontece em qualquer outra actividade, há motivações inconscientes (eventualmente “recalcadas” quando se trata de se explicar e legitimar em público enquanto “profissional” institucionalizado), que estão ligadas ao desejo e ao prazer que sente em fazer o que faz. Aqui, a este nível, sujeito e objecto de estudo con-fundem-se, furtam-se à ordem asséptica do saber descarnado, deixando a pessoa, na sua especificidade, na sua respiração, na sua performatividade, “vir ao de cima”. Por muito que essa pessoa seja, até ao seu mais íntimo, uma realidade fluida, em devir, e em maior ou menor parte uma “construção social”, quer dizer, uma entidade que incorporou e se integrou na ordem discursiva aceite.
É este lado “recalcado” que me interessa explorar, pois é o menos explícito, ou então aquele que se torna padronizado em arquétipos ou protótipos fáceis, como os de aventureirismo, de descoberta, de “conhecimento do passado para sabermos quem somos no presente e preparar o futuro” e outras banalidades semelhantes, que nos assombram desde sempre no senso comum.
Desde as ocasiões em que fazíamos “buraquinhos na areia”, durante brincadeiras de praia, até àquelas em que com ramos improvisados construíamos “casinhas” para encenar fantasias próprias das crianças, que a vontade de ver para além do mundo aparente, por um lado (o “voyeurismo” da arqueologia), e a vontade de fazer “mundo novo” por outro (a utopia da arquitectura), numa forte relação com o espaço, o corpo, a interacção afectiva com os outros - estão presentes em nós.
Enquanto que a “primeira” modernidade, para vincar a distância sujeito-objecto, criou um regime em que subjectividade e objectividade nos aparecem divididos, a “segunda modernidade” em que vivemos tendeu a diluir essas fronteiras, valorizando a performatividade mesmo das coisas mais inertes. E o sujeito escavador, arqueólogo, que a um certo nível requintou as suas técnicas de análise e de registo, já não tem vergonha ou medo de, num outro plano, se apresentar falando na primeira pessoa, porque é sempre aí que se enuncia (se encena) a “verdade” da improvisação, do im-previsto, a verdadeira criatividade científica, que faz parte da alegria de viver, de fazer, de comunicar, de inovar, de criar mundos. Trata-se de desinibir as forças que retroagirão positivamente sobre uma renovada energia da “produção do saber”, lutando contra todos os obstáculos e contra a burocratização e academismo, de qualquer matiz.
Foto: M. E.
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