Num certo sentido muito geral, a Arqueologia está para a História como a Fotografia está para o Cinema. A história procura mergulhar-nos, tal como o cinema, no prazer da narrativa: e nessa narrativa (mais ou menos ficcionada, ou então apoiada em documentos para "reconstituir" uma realidade que se apresenta como verdadeira, irrefutável) encontra o seu próprio sentido. A história é a ficção da vida viva, tal como o cinema: é preciso acreditar que aquilo que leio, ou vejo no écrã, aconteceu mesmo, ou está a acontecer, e que o sentido que lhe dou é o sentido certo, óbvio, entra em mim e implica-me como uma vivência, como uma convicção inabalável, com prazer e sofrimento.
O que lê história, o que vê cinema, está do lado da plateia, do espectador, que quer ser entretido a pontos de ser "apanhado" para dentro dos "acontecimentos". Não quer ser arrancado a esse prazer de os viver, revivendo-os projectados na tela ilusória da sua imaginação ou da parede.
O arqueólogo e o fotógrafo estão mais do lado dos bastidores: contentam-se (encontram realização) com o aspecto parado e deserto do teatro antes ou depois de começar a acção. Na fotografia não está ninguém, no sítio arqueológico não está ninguém: são espectros, tanto mais espectros quanto dão a ilusão "objectual" de realidade: esta cara que olha para mim, que me interpela, esta rocha ou este muro que eu tateio, que me tolhe o passo, que me obriga a pensar no ausente, em quem o fez e refez e aqui se encostou já.
A fotografia/arqueologia, implicando uma metafísica da ausência, opõem-se e completam o cinema e a história (uma metafísica da presença) no teatro (é preciso acrescentar ilusório?...) da vida.
Amor, paixão, estão sempre presentes: pelo resto, rasto, traço ou vestígio (na fotografia, na arqueologia), pela ilusão da "vida em movimento" no cinema e na história. Nostalgia no primeiro caso (veja-se por exemplo toda a obra do pintor G. de Chirico, o seu gosto do presságio, da distanciação, da ausência), prestidigitação no segundo: a magia de vencer o tempo, recompondo os acontecimentos ao vivo, num gosto pelo detalhe e mesmo pelo pitoresco por vezes, pelo que dá "cor de época".
Pólos de um universo poético e imaginativo que nos são essenciais, na sua complementaridade. Luto no primeiro caso, festa no segundo. Reflexão no primeiro caso, emoção no segundo. Pólos de uma incessante procura de seres dotados de uma estranha vontade de perceber, mas que sabem que, perceber só, é pouco - é preciso sentir, saltar da plateia para um qualquer palco, mesmo improvisado, passar dos bastidores à ribalta (a um espaço onde haja intensidade de excitação), numa constante encenação até que a morte nos sossegue.
A praça deserta ladeada de estátuas está do lado da arqueologia e da fotografia. A multidão enchendo a praça, plena de cores, de suores e de desejos, do lado do cinema e da história. Quem poderia dispensar qualquer desses pólos?!
Há de facto uma terceira via (esta nossa obsessão da trindade... haveria muitas mais, pois claro), que é a da decisão, da história ligada à política e à inteligência técnica do mundo da acção contemporânea, vocação matricial da sociologia. Vontade de perceber como é que a sociedade funciona para "corrigir" o maquinismo; são de certo modo os serralheiros do jogo de todos os dias, os maquinistas atentos.
Atitude voltada essencialmente para o presente, quer dizer, prospectiva na medida do possível, consertadora e concertadora, prática e missionária. Essa história e essa sociologia querem perceber constantes, invariantes, para tentar compreender para "onde o mundo vai". Estão directamente envolvidas na gestão do teatro e dos negócios, são solidárias de uma metafísica da acção racional e reformadora, na ideia de construir "um mundo melhor". Querem perceber e controlar a máquina dos acontecimentos, mediar entre os pólos da herança (do que parou) e da gesticulação exaltada (do que somente mexe), entre o museu e a festa.
Trata-se de um terceiro pólo de jogo, onde entram o jornalismo e a comunicação, e se medem os interesses e as influências, os campos de forças da actualidade, as tramas de combinações e de estratégias, com as suas vitórias e derrotas. Claro que este pólo, que é o pólo da atenção vigilante, o pólo da ordem (é preciso acrescentar simbólica ?), como qualquer outro, tende sempre a ser "aspirado" pelos restantes - eles vivem todos em tensão e nenhum ocorre em estado puro, são apenas tendências.
O arqueólogo e o fotógrafo registam e contemplam o resto. O historiador e o cineasta fabricam vida viva a partir de um conjunto de métodos, compensam-nos da ruína da vida morta. O político, o "empreendedor" vivem no jogo do presente e, no caso do sociólogo ou do mediador, na tentativa do seu entendimento e de nele intervirem (como consultores, assessores) de forma abalizada (como se os especialistas de "ciência" ou de "comunicação" social fossem os treinadores e os repórteres do que se passa no ringue, dos que dão a cara directamente às decisões).
São seres ("os homens do poder") um pouco estranhos, porque mergulham na orgia da acção, acabando por vezes por estar a falar no palco sozinhos, entre os bastidores já vazios e a plateia já deserta, mas com a mesma convicção e entusiasmo, como se a sala estivesse cheia.
Mas a verdade é que são os proprietários do teatro e os "detentores da razão". De modo que convocam rituais, onde os outros vêm todos registá-los, para mais tarde com eles fabricarem histórias, arqueologias, filmes, ou fotografias. Constituem a gesticulação indispensável a que a ficção da vida possa ser mediada entre os pólos opostos da melancolia e da festa. São personagens centrais do jogo, caricatos e heróis, garantias últimas do valor, o qual distribuem segundo regras que fabricam e validam de acordo com leis que também preparam e fazem aprovar pelos outros, os sancionadores, os que estão um bocado fora de jogo, mas aceitam o ritual, precisam de delegar essa actividade consumidora por excelência de energias nestes especialistas do presente activo.
1 comentário:
nossa, que aqui nãomsó om pronome mas o chamamento existente nesse. gostei demais do que li, e a primeirab lida é de dizer: BRAVO!. mas nuja segunda escapadela do percepto, há unm quê de reconhecimento. Não eatando imerso , no terrriotório específico d arqueoloigia, da fotografia, do cinema, nem das ordens outras variáveis, me vi, enquanto ser subjetividade contemporênea, inscirto nesse dito. terá Derrida um fantasma? nãon sei... o fato é que tudo que foi dito e se aplixca as áreas históricas e artísticas tb é reporoduzível nas áreas humas e da saúde... vai ver o tal do SER HUMANO, tá na mesma sultifera navaes....
gde abraço
andré
www.maquinoimovel.com
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