quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

margem





Dantes, quando pousavas

Em qualquer beira, como pássaro
Magnífico;

E o teu corpo, os seus poros,

Atraiam as ondas,
Os uivos litorais dos bandos;

Dantes, quando era possível
Cantar uma ária inteira
Caminhando sempre na mesma praia
Sem vir ninguém,

A não ser o inverno, as suas
Grandes ondas gordas, azuis, paradas;

E as rochas em que te sentavas
Em risco de rasgar a pele nas asperezas,
Eram também azuis;

E o teu olhar puxava a camisola para baixo,

Como se fingisses proteger-te da nudez
Perante um eu, um mim, que de facto
Acalentavas já dentro de ti.

Dantes, quando eu olhava os teus pés
Como um sinal da fragilidade em que assentava
Toda a tua arquitectura,

E te dizia: é bom que eu os veja já com saudade,

Para não ser mais tarde surpreendido;

E mais tarde apenas me repetir

Quando te vir de novo pousar sobre a falésia
Como um pássaro, para me visitares

E, tal como hoje, não me dizeres nada:


Porque, contra tudo o que seria de esperar
Me possuis, e a tua presença bate aqui -

Como uma maresia distante, como uma praia

À noite, para um cego que não sabe
O que vai acontecer,

Mas no entanto caminha
Na aspereza das rochas,

Fascinado pelo iodo, pelo ruído
De um outro mundo

Que vem dar a este limite:

O tacto, as nádegas sobre a rocha.
Esse conhecimento.


voj 2008
para a susana





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