A palavra amor já não se pode ouvir.
Os jogos da sedução são imensamente fastidiosos.
O julgar que sabemos algo do outro é uma presunção ridícula.
Um macho a fornicar é cansativo e triste. Olha para nós como um condenado.
Esta coisa de uma pessoa se querer apoderar de alguém, de fazer dela a sua companhia, a sua cúmplice dos dias, uns após os outros, é um vício tremendo.
A arte não é remédio para nada.
A intimidade não existe: nascemos, vivemos e morremos devassados.
As imagens vêm ter connosco, com propostas indecentes.
Os corpos reúnem-se em quartos anónimos, e depois cada um parte na sua direcção.
A escrita não tem tempo para estender todas as palavras certas.
As colchas voam.
Sobre uma rocha uma mulher nua esticou as pernas para cima, tensa, simétrica, com a vulva ao centro; deixou-se captar pela câmara, fez o seu trabalho. E daí?
É assim que iremos sobrevivendo, entre pequenas sensações?
Coleccionando tentativas?
Até o espírito, para se manter, faz esforços denodados, voa com toda a força, enrosca-se na sombra sob as asas.
O anjo lá continua a visitar, a anunciar, em todas as casas, como quem cumpre uma tarefa entre pesadas colunas.
Não houve tempo para esticar a colcha.
A juventude foi um sorriso que passou entre duas tábuas de um cenário.
Já não se espanta ninguém, já aconteceu tudo.
As pessoas estão exaustas de se entusiasmarem.
E no entanto se me corto num dedo do pé, desinfecto e ponho um penso.
E há pátios, terreiros enormes suspensos na paisagem, que não são particularmente bonitos, mas onde às vezes o peito gosta de avançar contra o ar.
É bom comer.
É bom sentir a ilusão do tempo livre, uma espécie de chama calma entre as cores enlouquecedoras das especiarias.
Não é preciso nada de sobrenatural.
A realidade é o mais surreal.
Às vezes pode surgir uma pessoa, uma ilusão.
Às vezes a energia faz rodar de novo as esferas, e as ampolas enchem-se.
Há luz, leite, talos verdes, coisas pousadas sobre as mesas, que tremem; ou pelo menos parece.
É bom enrolarmo-nos um no outro.
É bom estar a jantar contigo e tocar num ponto de um braço teu para disso fazer uma memória de décadas.
Era bom quando íamos em comboios para o interior dos países, em busca do resto da vida.
As cortinas voavam. Cheirava a betume.
A tua cintura era incrivelmente frágil.
Não há conclusão. Podia continuar sempre.
Só os olhos, vendo as colchas no ar, voando, como grandes raias aéreas. Sem jeito, assim tudo em aberto.
Não há pachorra para a poesia poética. Cansaço de tanta coisa bela. Mais vale queimar um dedo numa chama, queimar mesmo, sem metáfora. Sentir doer.
Põe o penso, dá-me um beijo. Por favor não ligues a mais ninguém.
Já abusaram demasiado de nós, já obedecemos e nos prostituímos a tanta gente, a tanta regra, a tanto costume.
Deitemo-nos em qualquer lado, onde cheire a ervas e a estrume.
É tempo de nos deixarem em paz.
Fotos: Martine Estrade.
voj 2008