terça-feira, 30 de outubro de 2012

lodo

lodo




às vezes o fim de tarde
traz-me um sabor a fim de vida
e de forças

sei que amanhã
se ainda estiver vivo
me hei-de contorcer de novo


e continuar na luta

mas às vezes o fim de tarde
traz-me este sabor antigo
a lodo na maré baixa

esta sensação de que
cada dia é uma vida inteira
e de que às vezes, quando entardece,

seria preciso
(seria mesmo merecido)
algo verdadeiramente
luminoso,

prenúncio de anjo
anúncio sublime do crepúsculo,
visitação

promessa
de que amanhã
vai ser diferente

e não este correr miserável
de todos os dias
este lodo venenoso

que me tolhe as asas
de ave apanhada

no óleo derramado
da poluição:

no óleo viscoso,
brilhante,
que até fica bonito
nas fotografias

mas cujo reflexo
asfixia
pouco a pouco
num odor de narinas
contaminadas

embora sim, eu sei, eu saiba
que talvez seja apenas
esta sensação de agonia

própria do fim de tarde

quando a maré baixa
e vêm ao de cima, borbulhando,
todas as misérias desta terra
ingrata e fedorenta

out. 2012

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