quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Realidade


Realidade


Ao contrário do que crê o realismo ingénuo, empírico, não existe “uma realidade” no sentido de algo apreensível pela experiência imediata, não mediada. O que tomamos habitualmente como “realidade”, e que nem nos lembramos de questionar, é determinado por um conjunto de pressupostos.Na verdade – e aqui baseio-me em S. Zizek, que praticamente cito à letra (v. “Arriesgar lo Imposible”, Madrid, Trotta, 2006, livro de entrevistas muito úteis com Glyn Daly, de que também se pode encontrar edição inglesa) – a “realidade” é já o resultado de uma perspectiva “distorcida”. Para lá destas “distorções” que constituem a chamada realidade, não há qualquer realidade positiva. Nenhuma entidade positiva existe objectivamente, mas antes emerge como resultado de uma diferenciação (distorção parcial) entre perspectivas.
Estamos aqui pois ante um perspectivismo materialista radical, universalizado.
Por que é que a chamada realidade não aparece sob uma forma neutral? É que, obviamente, o observador é parte do observado. A nossa mente obviamente não está fora da realidade, mas sim é parte dela: e daí ocorrerem as referidas “distorções”. O materialismo (opção filosófica) não admite uma realidade numénica* situada para além da perspectiva distorcida que temos dela. O mundo, enquanto todo fechado sobre si mesmo, não existe, pois que não há um observador externo a ele que o possa ver como um universo positivo. A nossa mente não existe fora do mundo. Assim, a questão que se coloca é: em que condições existe a minha mente? Como é que a minha mente é inerente à realidade? As aquisições das ciências da cognição, com as suas extensões na inteligência artificial, na neurologia, hoje tão na ordem do dia, não são de desprezar de modo algum, mas em última análise não resolvem o problema da consciência e da auto-reflexividade. Não por qualquer razão mística ou transcendente, anti-materialista. Escapa-lhes a importância decisiva da psicanálise, e em particular da psicanálise lacaniana, cuja ambição, se conjugada com uma perspectiva dialéctica herdada do chamado idealismo alemão, é imensa, implicando uma maneira totalmente diferente da mais comum na forma de viver/sentir/pensar a realidade. Desde logo, e isso reporta-nos para Hegel, a realidade fundamenta-se numa certa exclusão, inconsistência ou incompletude. A realidade é um “não-todo”. Evidentemente, esta nótula em si não é nada senão um “aperitivo” para mais reflexões. Tentarei.

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* Númeno opõe-se a fenómeno. Para Kant, o númeno é a coisa em si, ou seja, o que está para além do mero fenómeno ou manifestação.

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