Por que é que se pode e deve conjugar
o chamado idealismo alemão (Hegel) com a psicanálise, segundo Zizek?
"No cognitivismo deparamo-nos com
um paradoxo fundamental: a consciência e a mente humana pressupõem certo gesto
não económico, certa falha. Isso proporciona-nos o contorno de um certo mau
funcionamento que não se pode explicar em termos de evolucionismo cognitivista.
Pois bem, claro, o coelho que tiro do meu chapéu é que tanto
o idealismo alemão como a psicanálise têm termos que especificam essa mau
funcionamento: no idealismo alemão é a negatividade auto-referencial absoluta;
na psicanálise, a pulsão de morte. É isto que está no núcleo do que eu faço. A
tese básica que defendo é que a característica central da subjectividade no
idealismo alemão - a noção des-substancializada da subjectividade na ordem do
ser - concorda com a noção do "objecto pequeno a" que, como todos
sabemos, é para Lacan uma falha. Não se trata de conseguirmos encontrar-nos com
o objecto, mas de que o próprio objecto é simplesmente o vestígio de uma certa
falha. O que estou a dizer é que esta noção de negatividade auto-relacional,
tal como tem vindo a ser articulada desde Kant a Hegel, significa
filosoficamente o mesmo que a noção freudiana da pulsão de morte - esta é a
minha perspectiva fundamental. Por outras palavras, a noção freudiana da pulsão
de morte não é uma categoria biológica mas situa-se num plano filosófico.
"Ao tentar explicar o funcionamento da psique humana em termos do
princípio do prazer, do princípio da realidade, etc., Freud foi constando cada
vez mais que há um elemento radicalmente não funcional, uma destrutividade
básica,um excesso de negatividade, que não podia ser explicado. E essa é a
razão pela qual Freud propôs a hipótese da pulsão de morte. Creio que a pulsão
de morte é exactamente o nome correcto para este excesso de negatividade. É
esta, de certo modo, a grande obsessão de todo o meu trabalho: a leitura da
noção freudiana da pulsão de morte combinada com o que o idealismo alemão
tematiza como negatividade auto-relacional."
"Slavoj Zizek. Arriesgar lo Imposible. Conversaciones con Glyn
Daly", Madrid, Ed. Trotta, 2006, p. 63
(trad. minha)
[original inglês de
2004, da Polity Press - estas conversas tiveram o seu remate em Londres no
verão de 2002]
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