O neoliberalismo como forma de racionalidade
(primeiras palavras da Introdução ao livro “La Nouvelle Raison du Monde. Essai sur la Société Néolibérale”, de Pierre Dardot e Christian Laval, Paris, La Découverte, 2009, pp. 5 e 6)
“O neoliberalismo não acabou. Apesar do que muitos pensam, ele não é uma ideologia passageira que vai desaparecer com a crise financeira; não é somente uma política económica caracterizada por dar um lugar preponderante ao comércio e à finança. Trata-se de outra coisa, trata-se de bem mais do que isso: da maneira como vivemos, como sentimos, como pensamos. O que está em jogo não é mais nem menos do que a forma da nossa existência, quer dizer da maneira como somos pressionados a comportar-nos, a nos relacionarmos com os outros e connosco próprios. Com efeito, o neoliberalismo define uma certa norma de vida nas sociedades ocidentais e, bastante para além delas, em todas as sociedades que as seguem no caminho da “modernidade”. Esta norma apela a que cada um viva num universo de competição generalizada, apressa as populações a entrar em luta económica umas contra as outras, ordena as relações sociais pelo modelo do mercado, transforma mesmo o indivíduo, de agora em diante levado a conceber-se como uma empresa. Desde há cerca de um terço de século, esta forma de existência preside às políticas públicas, comanda as relações económicas mundiais, transforma a sociedade, remodela a subjectividade. As circunstâncias deste sucesso normativo foram descritas muitas vezes. Tanto no aspecto político (conquista do poder pelas forças neoliberais), como no aspecto económico (o desenvolvimento do capitalismo financeiro mundializado), como no aspecto social (individualização das relações sociais em detrimento das solidariedades colectivas, polarização extrema entre ricos e pobres), como ainda no seu aspecto subjectivo (aparecimento de um novo sujeito, desenvolvimento de novas patologias psíquicas). Essas são as dimensões complementares da nova razão do mundo. Por tal devemos entender que esta razão é global, nos dois sentidos que este termo pode revestir: ela é “mundial” no sentido em que é válida desde logo à escala do mundo, e, além disso, longe de se limitar à esfera económica, ela tende a totalizar, quer dizer, a “fazer mundo”, pelo seu poder de integração de todas as dimensões da existência humana. Razão do mundo, ela é ao mesmo tempo uma “razão-mundo”.
O neoliberalismo é assim a razão hoje dominante. Não empregamos aqui o termo como um eufemismo para evitar pronunciar a palavra “capitalismo”. O neoliberalismo é a razão do capitalismo contemporâneo, de um capitalismo que se desembaraçou das suas referencias arcaizantes e se assume plenamente como construção histórica e como norma geral da vida. O neoliberalismo pode definir-se como o conjunto dos discursos, das práticas, dos dispositivos que determinam um novo modo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência.”
(trad. VOJ)
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