sábado, 15 de janeiro de 2011

Uma lógica da imanência explicada às crianças...




Baseando-me no livrinho simples, simplicíssimo, de Maite Larrauri, ("El Deseo según Gilles Deleuze", València, Tàndem Edicions, 2000), penso que um ponto fundamental é, para Deleuze, a questão de que a nossa própria gramática (a linguagem) continuamente nos "induz em erro", porque se baseia numa lógica do ser, da identidade, e não numa lógica do devir. É categorial e transcendente, em vez de ser imanente e de se dar bem com a transitoriedade, com o movimento (territorialização e desterritorialização permanentes) que é a própria vida. Por isso a poesia (quando acontece, é raro...) é tão importante, porque tenta acercar-se desse movimento, desse "entre", que não vê por cima nem por baixo, vê de forma por assim dizer "intermédia".

Ao ser uma lógica do ser, imediatamente inclui qualquer particularidade num universal. Aqui a psicanálise lacaniana (tal como ela é hoje entendida) vai contra tal lógica.


Concretizando: Quando eu digo ou escrevo: "Eu sou homem", estou a pressupor uma anterioridade de existência, um suporte, do sujeito (eu) em relação ao predicado, o facto de ser "homem". Ora toda a nossa lógica está baseada nesta dicotomia. É uma lógica metafísica, uma lógica do ser.

Temos ao contrário de criar uma lógica das relações, uma lógica do devir. O que existe na vida não são primeiro sujeitos e depois acções, mas o contrário - e a arte, ao tentar expressar isto, torna-se VITAL.

A vida é um predicado, diz Maite (p. 23), é uma relação, não algo que está nos sujeitos, mas que passa através deles.


Todas as formas de transcendência procuram ver a vida a partir do exterior, em vez de uma perspectiva imanente, que procura a vida desde o interior da própria vida. Isso é um exercício muito difícil, porque fomos formatados para intuir e reflectir de modo transcendente, porque estamos gramaticalizados numa lógica de anterioridade do ser (em última análise, deus, a ordem, o uno, o universal, o pai, o rei, o governante, a lei) versus a vida, o devir, a potência, que aponta para o que realmente fazemos: o que fazemos faz-nos. Eu não "sou" homem, eu fui feito e continuo a fazer-me como "homem" todos os dias. A realidade categorizada e dividida em "espécies" é uma consequência desta lógica do transcendente, do que tende sempre para o universal.

Mesmo quando eu digo "cada caso é um caso" já estou a induzir-me em "erro", como se dissesse que cada um, existindo em si, tem uma qualidade ou característica, ou conjuntos de características (predicados) peculiares, que SE VÊM JUNTAR ao que ele é.

É contra esta lógica gramatical que nos aprisiona e que condiciona a própria criação dita literária comum (tornando-a inócua, monótona, imensamente cansativa) que é preciso trabalhar, persistentemente, INTRANSIGENTEMENTE, re-inventando-nos.


(continua)

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