No calendário cristão, salvo erro, cada dia do ano está adstrito a um santo. Dantes isso vinha nas agendas...
Agora, cada dia do ano é também um dia de qualquer coisa considerada digna de ser posta em destaque. Tudo tem o seu dia. Não sei se ainda há dias livres no ano para novos "valores" serem exaltados.
O último de que tive conhecimento é o Dia Internacional de Histórias de Vida.
http://internationaldayblog.storycenter.org/
Já haverá quem tenha pensado em organizar o dia (internacional ?) da não comemoração, ou dia branco?
Um dia para pararmos um pouco, uma dádiva de tempo (para além do "santo" domingo)? Um dia da não patrimonialização, um dia não codificado... seria uma utopia, hoje. Quer dizer, seria também ele um dia já codificado.
... Ou, por exemplo, o dia do pensamento? Hmmm, parece muito intelectual. Não está a dar...
O dia internacional do sentimento é que não pode ser, porque são-no todos os dias, na sociedade "sentimentalizada" - na verdade codificada e automatizada em crescendo, para a a qual todos esses "sentimentos" servem de écrã e de reforço - em que vivemos.
Entretanto, e como se pode ver no site acima, já existe também um Museu da Pessoa:
http://www.museudapessoa.net/
que se apresenta como (transcrevo do site):
"Este é um museu virtual de histórias de vida aberto à participação gratuita de toda pessoa que queira compartilhar sua história."
Iniciativa de facto curiosa, cujos fundamentos se podem ler:
http://www.museudapessoa.net/oquee/oque_nossahistoria.shtml
Transcrevo aqui esta iniciativa como um exemplo da musealização geral do mundo. Não duvido da generosa intenção dos seus promotores... nem faço qualquer crítica, apenas acho que é importante pensar sobre o desejo que temos de patrimonializar tudo. Desejo que também, obviamente, já chegou a Portugal.
Fonte: lista Museum@ci.uc.pt
Livro interesante (relembro):
"A Política do Património", de Marc Guillaume, publicado em Paris em 1980 e em Portugal em 2003 pela Campo das Letras, Porto.
Mas tantos outros! Por exemplo:
"La Machinerie Patrimoniale", de Henri-Pierre Jeudy, Paris, Sens & Tonka, éditeurs, 2001.
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P.S. - talvez no fim do mundo todos os que morreram e não podem já contar nada, incluindo as vítimas de Auschwitz, Hiroshima, Nagazaki, Sibéria, Rwanda, Kosovo, Iraque, etc, ao ressuscitar, nos possam contar as suas histórias., caso isso venha a acontecer.
Teriamos assim um coro imenso. A recuperação da Perda Universal. Em ambiente escatológico. O Museu estender-se-á então sobre a Vida, e fará as vezes dela, como aquele mapa que era tão completo e perfeito, que se sobrepôs à realidade.
O Passado será finalmente reconstituído, representificado. Então sim, será o fim da História, a sua consumação perfeita. Tudo, tudo, tudo, será património vivo, numa intensidade inimaginável. Um "patrimoine en folie", como rezava o título de um livro coordenado por Henri-Pierre Jeudy ("Patrimoines en Folie", Paris, Éd. de la Maison des Sciences de L' Homme, 1990 - tem colaboração de Marc Guillaume).
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