domingo, 4 de maio de 2008

Papalagui: desfazendo um equívoco


Este livro - "O Papalagui. Discursos de Tuiavii chefe de tribo de Tiavéa nos mares do Sul", apresentados por Erich Scheurmann como recolhidos por ele - está inscrito no Plano Nacional de Leitura.
Foi vendido em milhões de exemplares pelo mundo inteiro, estando traduzido numa quinzena de línguas.
Já há muitos anos que o tinha lido, e de novo reli.
Em Portugal (trad. de Luísa Neto Jorge) aparece agora com a chancela da Antígona, Lisboa, 2007.

Ora, quem foi
Erich Scheurmann?
Foi um pintor, escritor e pregador alemão, nascido em Hamburgo em 1878, que esteve de facto em Samoa, então colónia alemã, em 1914, quando ocorreu a primeira guerra mundial - e aí tirou até fotos muito interessantes, ao que parece, tomando contacto com as culturas locais. Este texto terá sido ele que o construíu, na tradição aliás de outros textos de Diderot e de Hans Paasche, e pôs na boca de Tuiavii (na verdade Agaese, pois "tuiavii" significa somente "chefe").
Segundo um autor credível, confirmado aliás pelo Prof. Grant McCall da Universidade de New South Wales, em Sidney, na Austrália, que ele cita (ver
http://www.thelooniverse.com/strips/
realfreepress/papalagi.htm), Tuiavii ou Agaese "longe de ser anti-europeu, foi soldado alemão em Samoa; e, longe de ser contra a religião cristã, foi cristão. Também contrariamente às histórias que o livro veicula nunca visitou a Europa (...)."



Ver:
http://fr.wikipedia.org/wiki/Litt%/C3%A9rature_samoane
http://jacbaule.club.fr/livres/Nouveau/Scheurmann.html
http://www.thelooniverse.com/strips/realfreepress/papalagi.htm
e um artigo que não consegui consultar:
Senft, G. (2000), Weird Papalagi and a fake Samoan chief - a footnote to the Noble Savage Myth, "Rongorongo Studies - a Forum for Polynesian Philology", vol. 9, pp.
62-75.
Ver também "Tahiti Pacific Magazine", vol. 121, Maio de 2001, p. 43.

Esclarecer este ponto é importante porque há muita gente iludida quanto à verdadeira natureza do livro, que não deixa de ter interesse por compreendermos melhor o seu contexto, mas não é a visão crítica de um "nativo polinésico" sobre a sociedade europeia. Aliás, um mínimo de experiência antropológica mostra logo isso à primeira leitura: há todo um mito nostálgico do bom selvagem que percorre o livro e uma crítica à civilização europeia (nomeadamente aos "valores capitalistas", ao cinema, etc.) que é evidentemente feita por um europeu, neste caso na ressaca da primeira guerra mundial.
Mas há pessoas que na sua boa fé, e identificando-se com as críticas, até criaram blogues contendo o nome de Papalagui no título!
O livro teve aliás grande difusão nos anos 70 e 80, por vir ao encontro da ideologia ingénua de muitas pessoas, na sua nostalgia do "primitivo".
O "mundo da informação" está cheio de equívocos.

1 comentário:

Marta Rema disse...

verdade. mas também é verdade que em alguma altura na vida todos passamos por alguma nostalgia do primitivo. ou do puro, neste caso representam o mesmo. esses equívocos estão na língua, na história, por toda a parte e a grande maioria não se conseguem desfazer antes de se transformarem em senso comum. na minha perspectiva, um pouco lacaniana, é muito interessante ver como se formam ao invés de tentar desfaze-los.