quinta-feira, 15 de maio de 2008

generosidade, ou OUTRA COISA ?

Faz falta. Faz-nos falta a todos.

Darem-nos alguma coisa, as coisas mais importantes: atenção e ajuda, ajuda dirigida especificamente àquilo que somos, ou pretendemos ser, na nossa particularidade. Mas que atenção e que ajuda? As palavras estão em planos escorregadios do senso comum, as frases arrastam-nos sempre para as poças do já dito, onde a água viva apodrece.


Cada um de nós vive num mundo rodeado de pessoas.

Mal se apercebem de que podemos ser úteis, rodeiam-nos, pedem-nos coisas, até nos oferecem prendas. Vêem-nos como uma espécie de fornecedores de serviços, sendo mais inteligente conseguirem-nos pela "afectividade" do que pelas simples "ordem" ou pedido eminente: quero isto, faça-me aquilo, preciso de tal coisa, etc. Seria falta de habilidade... ninguém é tão primário ou tão chato.

Vivemos num mundo funcional de serviços, em que cada um de nós é solicitado em função da utilidade que pode ter para algo que o interpela: desejo convidá-lo(a) para... etc.

Você sabe que é assim com cada um de nós, e cada um de nós já interiorizou o facto de que não é mais do que um serviço (ou conjunto diversificado de serviços, está claro), mesmo que seja um serviço afectivo, às vezes importante ou até salvador. Podemos até servir como fantasias para outrém, ou usar outrém como nossa fantasia.

A questão é: não haveria uma maneira de sair disto? É porque ISTO faz tudo parte do mesmo.

Não se trata de apelar a nenhum desusado humanismo ou humanidade perdida.
Trata-se de qualquer OUTRA COISA que eu ainda apenas sei configurar como um vulto.
Não há aliás nada de mais terrível do que absorver depressa, caracterizar na hora, chutar certo na baliza precisa, saber já, perceber logo: um mundo de funções. Máquinas sofisticadas, infantilização de engolir o que nos metem na boca, como aos bébés, e ainda por cima sorrir de felicidade.

Uma coisa que parece terrivelmente simples e óbvia, mas que é a mais difícil. Conceber fora do existente, do concebido e concebível, fazer, viver ao lado.

Pensar simples: e com uma pequena alavanca inócua, tentar mudar a forma de pensar, de fazer, de actuar.
É tal possível, no meio de tantos executivos e executantes, com o pensamento e o sentimento enforcado numa gravata psicológica, com o fato talhado à medida, vendo-se que estão a realizar a performance de si mesmos, essa descolagem?
É viável, no meio de tanta gente ávida? De tanto indivíduo atrozmente exposto no seu desejo, mesmo (e sobretudo) quando o disfarça?


Ao menos de vez em quando, será possível qualquer coisa OUTRA?


Não estou a falar das categorias habituais do amor, da amizade, do companheirismo, das relações de familiaridade/intimidade instituídas ou a instituir... é OUTRA COISA.

Generosidade, disponibilidade, mas não para isto ou para aquilo: disponibilidade só.
Começar a construir um mundo menos funcional.
É uma utopia?
Um entretenimento de ociosos?

Ou a atitude de quem começa a não conseguir respirar neste mundo maquínico, onde falta o ar - o ar que se respira não nos enche os pulmões, sufoca-nos. Vemos as pessoas aproximarem-se e já nos perguntamos:
que é que este(a) quererá agora de mim?

Cansa, isto.






3 comentários:

Anónimo disse...

Eu julgo que há maneira de sairmos «disso». Como desconhecidos. Tem sido como desconhecido que tenho assistido aos actos mais sinceros, aqueles que acontecem no meio da multidão, entre dois seres perfeitamente estranhos um ao outro, apenas participando numa estranha dinâmica de percursos distantes e cruzados. Quando nos entregamos na mão de um estranho despojamo-nos das convenções que nos obrigam a servir e ser servidos. A solidão, às vezes, não existe tal qual a queremos perceber...existe para nos ajudar...digo eu, mas talvez esteja errado.

Vitor Oliveira Jorge disse...

Compreendo o seu ponto de vista...

Gonçalo Leite Velho disse...

O papel do outro e do Outro...
É incrível como têm um papel tão importante, ao ponto de nos sufocarem (por exemplo afectando-nos/magoando-nos com o que parece nem sequer ser-nos dirigido). O sintoma está, claro, tanto no Outro como na opressão que sentimos em nós mesmos.