O complexo de gravuras paleolíticas do vale do Côa é o único conjunto patrimonial arqueológico - repito, arqueológico - classificado pela UNESCO como património da humanidade. A sua preservação e a criação do Parque Arqueológico do Vale do Côa foram um momento alto da arqueologia portuguesa e mundial. Se bem que goste muito do Museu do Côa, tive pena que ele se não fizesse no próprio rasgão efectuado pelas obras preparatórias da programada barragem; de qualquer modo, é um grande e importante Museu, que orgulha Portugal. Portanto, é crucial manter em funcionamento pleno estas infra-estruturas e a valorização, estudo, divulgação deste património, perante o qual somos responsáveis - todos, portugueses e não só. Não é um problema dos arqueólogos, é uma questão fundamental, porque o complexo de gravuras do Côa testemunha um tipo de pensamento que, sendo decerto muito diferente do nosso, de hoje, é todavia aparentado, pois se trata de um sistema estruturado de signos inscrito numa paisagem, ou seja, estamos no domínio do que se convencionou chamar cultura. O Côa é um testemunho cultural importantíssimo. Por isso, estando em risco a estrutura administrativa que foi criada, há que alertar todas as entidades responsáveis, nacionais e internacionais, para um problema gravíssimo que assim se cria, a juntar a muitos outros problemas gravíssimos que nos afectam. Ao contrário do que se pretende fazer crer, a situação do nosso país, e em geral da Europa e do mundo, não é tendente a melhorar, porque campeia cada vez mais uma concepção que apenas vê no lucro financeiro a curto prazo e para uns poucos os objectivos da gestão pública, ou seja, há um domínio total da finança sobre a política e isso repercute-se a todos os níveis e afecta as mais importantes conquistas do conhecimento e da felicidade humana, com excepção, é claro, daquelas que dão lucro aos grandes grupos económicos, que tendem a deslocar-se para onde podem pagar salários mais baixos e manter populações praticamente escravizadas (modelo chinês, onde hoje já são feitos muitos dos aparelhos que usamos) acabando com a formação e o emprego de qualidade (e portanto mais caro) nos países onde se prosseguia uma política de cultura e de pesquisa que enriqueceria, se fosse bem distribuída, toda a humanidade. Tudo isto é sabido e está perfeitamente diagnosticado, sendo muito difícil contrapormo-nos ao poder crescente deste tipo de ideologia, quer na sua face sorridente e hipócrita, quer na sua face mais ameaçadora (veja-se o avanço da extrema-direita em França perante a ridicularia dos chefes de Estado que ali têm protagonizado a cena). As pequenas editoras estão a ser compradas por grandes grupos económicos, há um desinvestimento na formação e no saber (Bolonha é fast food), proliferam os dispositivos que capturam a atenção dos jovens, cada vez mais desmotivados porque a maior parte sabe que não vai arranjar nunca emprego, e até as bolsas com que se ia disfarçando para alguns a falta de emprego estável (um direito inalienável) estão a escassear. Temos de ter em mente que este tipo de ideologia tem vários rostos e está completamente determinada. O Capital não tem sentimentos, tem desígnios expansivos e quando lhe aparece um obstáculo, elimina-o.
VOJ
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