Investigação
arqueológica em Portugal: um objectivo difícil
Por
Vítor
Oliveira Jorge
Florbela
Estêvão
A pesquisa científica não tem, em si mesma, jamais
fim. Quando um projecto de trabalho chega ao seu fim, é sempre por causas
exteriores à dinâmica interna da investigação, a qual, por definição, gera
sempre novas realidades a pesquisar. Não se trata tanto de chegar a conclusões,
muito menos fechadas ou definitivas, visto que a ciência se opõe ao dogma, mas de
delimitar, em cada momento, quais as próximas perguntas. A ciência vive da
constante detecção de erros e consequente tentativa de superação, sendo os seus
fundamentos axiomáticos, isto é, contrariamente à religião a ciência não visa a
Verdade, mas verdades sempre refutáveis. Só enquanto refutáveis, segundo
protocolos convencionados, as conclusões científicas são, paradoxalmente,
verdadeiras.
Substitui-se assim um momento inicial em que ainda se
não sabe exactamente o que se quer investigar, e como, para passar a momentos
em que a dinâmica é já no sentido de poder delimitar melhor uma moldura de
actuação colectiva – visto que a arqueologia é forçosamente um trabalho de
equipa e interdisciplinar - , moldura que será tanto mais produtiva quanto for
flexível e portanto aberta à auto-correcção constante.
A arqueologia não se resume, obviamente, à
investigação científica, mas, também obviamente, sem esta não existe
propriamente arqueologia, mas qualquer coisa que se lhe refere de forma mais ou
menos indirecta, seja ensino, animação/divulgação, ou outra qualquer. Ou seja,
sem pesquisa arqueológica, que siga protocolos propriamente científicos, não há
logicamente uma arqueologia digna desse nome. Por outras palavras, a
arqueologia almeja ser uma realidade substantiva e não meramente adjectiva.
Ora como é bem sabido, não existe nem nunca existiu em
Portugal nenhum organismo autónomo especifica ou principalmente dedicado à
investigação arqueológica.
Toda a investigação arqueológica - que se realiza nos
mais diversos contextos - é subsidiária de um objectivo diferente, considerado
mais importante ou pertinente, tendo sempre sido motivo de constante
preocupação e iniciativa por parte dos arqueólogos a obtenção de um espaço
maior de actuação para este sector (tempo, equipamento, meios em geral, e,
sobretudo, atenção das autoridades e dos colegas para o papel cultural e social
da arqueologia), entendido da forma acima referida. Como é evidente, esses
esforços e contra-esforços reflectem forças, ideologias e interesses existentes
no seio da sociedade, ou seja, políticas. A maior ou menor importância dada à
componente “investigação” está directamente correlacionada com a visibilidade
(legitimação) que se pretende atribuir ao nosso campo de trabalho.
Por exemplo, a criação de uma primeira licenciatura
exclusivamente de arqueologia em Portugal só foi possível no ano lectivo de
1999/2000, dez anos depois do início de um mestrado específico (1989/1990),
ambos na UP. A introdução do sistema de Bolonha veio trazer grandes
modificações (encurtamento dos cursos, transformados agora em três ciclos e
incluindo o doutoramento, preços elevados das propinas de pós-graduação, etc.),
ao mesmo tempo que se via desenvolver uma área nova em Portugal, a da
arqueologia empresarial, hoje a maior empregadora dos agentes formados pelo
ensino médio e superior.
Nas universidades, os meios de fornecer um ensino
prático, isto é, efectivo, no campo, gabinete ou laboratório, sempre foram mais
ou menos escassos (estando dependentes em larga medida da capacidade de
iniciativa/actuação individual dos docentes e dos apoios que podiam conseguir).
Nas autarquias, cuja realidade, como é bem sabido, é extraordinariamente
diferenciada no nosso país, tudo esteve sempre muito dependente de meios
disponíveis, e de objectivos políticos mais ou menos flutuantes, sendo difícil
criar ou sustentar gabinetes ou serviços específicos de arqueologia que
pudessem desenvolver uma actividade de pesquisa consolidada e consistente.
Essa dificuldade contrasta com o uso – perfeitamente
legítimo - que se pretende fazer da arqueologia (e de outros domínios
culturais) como elemento de animação social (sítios, circuitos, museus, etc.),
sobretudo a partir do momento em que, criadas as infra-estruturas básicas de
que o país não dispunha ainda em 1974 (equipamentos de conforto, mobilidade e
ocupação de tempo de uma população inicialmente ainda pouco escolarizada), a
atenção dos autarcas em geral se começou a voltar para as práticas culturais
como elementos de valorização local: identidade e nobilitação.
Fragmentada em projectos sobretudo dependentes de
docentes no ensino superior, em iniciativas de autarquias numerosas e de
desigual dimensão (mesmo espacial, como é óbvio) ou em trabalhos dependentes de
obras e frequentemente entregues a empresas, a arqueologia, ainda com baixa
capacidade de intervenção social, tem tido dificuldade de se opor ao
“desenvolvimentismo” que tomou conta do país sobretudo a partir da adesão à
CEE, depois UE.
Nesta breve nótula não abordamos, entre muitos outros
aspectos, o enquadramento da arqueologia a nível global estatal, nem a
actividade de certos organismos do Estado como os Serviços Geológicos de
Portugal (depois IGM), nem a importância das iniciativas de estrangeiros (como
a do Instituto Arqueológico Alemão, por exemplo) ou mesmo de amadores e
autodidactas, os quais, na verdade, e antes da criação nos anos 90 da profissão
de arqueólogo, eram quase todos quantos procuravam actuar neste domínio.
Tudo isso – e, esperamos, muito mais – ficará para
próximas reflexões.
Sobre este e outros temas, ver, por exemplo, de um de
nós a obra “Arqueologia, Património e Cultura”, Lisboa, Instituto Piaget, 2ª
edição, 2008.
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