segunda-feira, 24 de junho de 2013

Investigação arqueológica em Portugal: um objectivo difícil







Investigação arqueológica em Portugal: um objectivo difícil

Por
Vítor Oliveira Jorge
Florbela Estêvão


A pesquisa científica não tem, em si mesma, jamais fim. Quando um projecto de trabalho chega ao seu fim, é sempre por causas exteriores à dinâmica interna da investigação, a qual, por definição, gera sempre novas realidades a pesquisar. Não se trata tanto de chegar a conclusões, muito menos fechadas ou definitivas, visto que a ciência se opõe ao dogma, mas de delimitar, em cada momento, quais as próximas perguntas. A ciência vive da constante detecção de erros e consequente tentativa de superação, sendo os seus fundamentos axiomáticos, isto é, contrariamente à religião a ciência não visa a Verdade, mas verdades sempre refutáveis. Só enquanto refutáveis, segundo protocolos convencionados, as conclusões científicas são, paradoxalmente, verdadeiras.
Substitui-se assim um momento inicial em que ainda se não sabe exactamente o que se quer investigar, e como, para passar a momentos em que a dinâmica é já no sentido de poder delimitar melhor uma moldura de actuação colectiva – visto que a arqueologia é forçosamente um trabalho de equipa e interdisciplinar - , moldura que será tanto mais produtiva quanto for flexível e portanto aberta à auto-correcção constante.
A arqueologia não se resume, obviamente, à investigação científica, mas, também obviamente, sem esta não existe propriamente arqueologia, mas qualquer coisa que se lhe refere de forma mais ou menos indirecta, seja ensino, animação/divulgação, ou outra qualquer. Ou seja, sem pesquisa arqueológica, que siga protocolos propriamente científicos, não há logicamente uma arqueologia digna desse nome. Por outras palavras, a arqueologia almeja ser uma realidade substantiva e não meramente adjectiva.
Ora como é bem sabido, não existe nem nunca existiu em Portugal nenhum organismo autónomo especifica ou principalmente dedicado à investigação arqueológica.
Toda a investigação arqueológica - que se realiza nos mais diversos contextos - é subsidiária de um objectivo diferente, considerado mais importante ou pertinente, tendo sempre sido motivo de constante preocupação e iniciativa por parte dos arqueólogos a obtenção de um espaço maior de actuação para este sector (tempo, equipamento, meios em geral, e, sobretudo, atenção das autoridades e dos colegas para o papel cultural e social da arqueologia), entendido da forma acima referida. Como é evidente, esses esforços e contra-esforços reflectem forças, ideologias e interesses existentes no seio da sociedade, ou seja, políticas. A maior ou menor importância dada à componente “investigação” está directamente correlacionada com a visibilidade (legitimação) que se pretende atribuir ao nosso campo de trabalho.
Por exemplo, a criação de uma primeira licenciatura exclusivamente de arqueologia em Portugal só foi possível no ano lectivo de 1999/2000, dez anos depois do início de um mestrado específico (1989/1990), ambos na UP. A introdução do sistema de Bolonha veio trazer grandes modificações (encurtamento dos cursos, transformados agora em três ciclos e incluindo o doutoramento, preços elevados das propinas de pós-graduação, etc.), ao mesmo tempo que se via desenvolver uma área nova em Portugal, a da arqueologia empresarial, hoje a maior empregadora dos agentes formados pelo ensino médio e superior.
Nas universidades, os meios de fornecer um ensino prático, isto é, efectivo, no campo, gabinete ou laboratório, sempre foram mais ou menos escassos (estando dependentes em larga medida da capacidade de iniciativa/actuação individual dos docentes e dos apoios que podiam conseguir). Nas autarquias, cuja realidade, como é bem sabido, é extraordinariamente diferenciada no nosso país, tudo esteve sempre muito dependente de meios disponíveis, e de objectivos políticos mais ou menos flutuantes, sendo difícil criar ou sustentar gabinetes ou serviços específicos de arqueologia que pudessem desenvolver uma actividade de pesquisa consolidada e consistente.
Essa dificuldade contrasta com o uso – perfeitamente legítimo - que se pretende fazer da arqueologia (e de outros domínios culturais) como elemento de animação social (sítios, circuitos, museus, etc.), sobretudo a partir do momento em que, criadas as infra-estruturas básicas de que o país não dispunha ainda em 1974 (equipamentos de conforto, mobilidade e ocupação de tempo de uma população inicialmente ainda pouco escolarizada), a atenção dos autarcas em geral se começou a voltar para as práticas culturais como elementos de valorização local: identidade e nobilitação.
Fragmentada em projectos sobretudo dependentes de docentes no ensino superior, em iniciativas de autarquias numerosas e de desigual dimensão (mesmo espacial, como é óbvio) ou em trabalhos dependentes de obras e frequentemente entregues a empresas, a arqueologia, ainda com baixa capacidade de intervenção social, tem tido dificuldade de se opor ao “desenvolvimentismo” que tomou conta do país sobretudo a partir da adesão à CEE, depois UE.
Nesta breve nótula não abordamos, entre muitos outros aspectos, o enquadramento da arqueologia a nível global estatal, nem a actividade de certos organismos do Estado como os Serviços Geológicos de Portugal (depois IGM), nem a importância das iniciativas de estrangeiros (como a do Instituto Arqueológico Alemão, por exemplo) ou mesmo de amadores e autodidactas, os quais, na verdade, e antes da criação nos anos 90 da profissão de arqueólogo, eram quase todos quantos procuravam actuar neste domínio.
Tudo isso – e, esperamos, muito mais – ficará para próximas reflexões.

Sobre este e outros temas, ver, por exemplo, de um de nós a obra “Arqueologia, Património e Cultura”, Lisboa, Instituto Piaget, 2ª edição, 2008.

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