terça-feira, 1 de julho de 2014

privacidade




Há pessoas que não querem aderir ao facebook em nome da manutenção da sua privacidade. Estão no seu pleno direito, até porque o facebook é uma máquina de fazer dinheiro à custa de nós, seus utentes e seus “trabalhadores” voluntários e gratuitos. Um dispositivo algo obsceno. Certo.
Mas que é a privacidade, de facto, nas sociedades de controlo, em que todos os meus movimentos podem ser monitorizados, e cada vez mais, através da rede informática onde, quer queiramos quer não, todos estamos inseridos?
Que é a privacidade nas sociedades do biopoder em que logo à nascença se tem um cartão de cidadão, que é um número, e mesmo depois de morto é atribuído ao falecido (por causa da herança) um novo número fiscal? Em que o nosso corpo é esquadrinhado em todas as direções, nomeadamente quando em pânico desconfiamos que podemos ter alguma doença grave, ou o seu prenúncio?... sociedades do desassossego, da vigilância, da autovigilância, do narcisismo doentio e em que todos nos sentimos permanentemente frágeis, expostos totalmente ao acaso. Angústia, ansiedade, fechamento de cada um no seu casulo pessoal e familiar, retração da sociabilidade.
Deus? Para quem acredita, serve de pai protetor, de segurança última.
Estado? Para quem acredita na boa fé dos que o comandam, serve de encantadora ilusão securizante.
Natureza? Para quem tem esse mito, numa época em que o ambiente continua a sofrer todas as tropelias, enfim, que goze muito no seu maternal seio.
Dinheiro? Ah sim, dinheiro, deus e sexo devem ser três daquelas coisas que, depois do futebol, são das mais sagradas para muitos. Mas, claro, o dinheiro é o grande motor deste mundo, é o deus do capitalismo e o capitalismo é o nome que é herético pronunciar, como dantes não se podia dizer o nome de Deus em vão.
Amanhãs que cantam? Camaradas, o povo unido jamais será vencido. Sob a liderança de um chefe, iremos lá um dia. Boa caminhada, pode ser que aconteça o milagre!
Mas, privacidade? Receio de se expor? Oh amigo, oh amiga, tu já estás nu(a) perante o biopoder que nos controla!
Nunca entraste num hospital, internado? Nunca tocaram mãos alheias no teu corpo como se fosse uma máquina, quando tu, deitado numa cama e ligado a um tubo de soro, te não podias furtar a tal profanação? Nunca te expuseste nu perante uma equipa de recrutamento militar? Nunca te expuseste nu(a) a alguém a cujas carícias te entregaste, pouco sabendo desse alguém, pouco sentindo por esse alguém, apenas porque seguiste aquela malvada ordem do teu superego para gozares?... e, finalmente, nunca chegaste, às vezes passado tanto tempo, à conclusão de que o ser perante o qual tinhas desnudado o teu corpo e a tua vida, afinal, não correspondia à tua fantasia, ao teu desejo, ao mínimo de decência que pudesse manter essa relação?
Privacidade? Não me fales disso com essa ligeireza. Se não gostas do facebook, se não tens e-mail, se não usas telemóvel, se te julgas dono e senhor do que te acontece, pelo menos parcialmente, está descansado, que um dia o Real há de bater-te com força na cara. Se isso não te aconteceu ainda, vai criando as tuas defesas, se quiseres sobreviver. Boas férias, o mundo está para os simples que não se interrogam demais; deles será o reino da terra no seu dia a dia chão, como dantes lhes estava prometido o reino dos céus.


voj julho 2014

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