sábado, 25 de fevereiro de 2012

Ofício: ontologia do comando e da operatividade - por Giorgio Agamben (adaptado)

Giorgio Agamben - OPUS DEI. Archéologie de l’office (Homo Sacer II,5), Paris, Seuil, 2012 – algumas notas (praticamente tradução, por vezes à letra, do que escreve o autor – para que eu não seja acusado de plágio!) basicamente tiradas a partir da Introdução do livro e da sua conclusão, a que interessantemente chama “Limiar”, título que também aparece noutras partes do livro como “separador temático”.

- Opus Dei – termo técnico que designa, desde o séc. VI, e na igreja católica latina, a liturgia. O Opus Dei (ofício) como paradigma da acção humana foi um pólo de atracção constante e muito difundido na cultura secular do Ocidente. Por ex., a ética kantiana, a teoria pura do direito de Kelsen, a militância política moderna, o modo de funcionamento de um funcionário.

- Liturgia (do grego leitourgia, “prestação pública”, obra para a colectividade) – exercício da função sacerdotal de Jesus Cristo. Nela o culto público integral é exercido pelo corpo místico de Jesus Cristo, isto é, pelo chefe e pelos seus membros. Este termo é relativamente moderno (estende-se progressivamente pelos fins do séc. XIX). A liturgia corresponde à tentativa mais radical de pensar uma prática integralmente “efectual” . É o mistério da operatividade.

- Officium – aparecia antes do séc. VI em vez do termo liturgia.

- Ofício – é mais eficaz do que a lei porque não pode ser transgredido; é mais real que o ser porque consiste apenas na operação pela qual se torna uma realidade; mais eficaz do que qualquer acção humana porque actua “ex opere operato”, isto é, independentemente das qualidades do sujeito que o celebra.

- O REINO E A GLÓRIA (livro) – dedicado ao mistério da liturgia e no essencial no seu aspecto virado para Deus, isto é, a sua dimensão objectiva e gloriosa. Tentar esclarecer o “mistério da economia” construído pelos teólogos pegando numa expressão pauliniana, transparente em si própria, e invertendo-a.

- OPUS DEI (livro) – a pesquisa arqueológica incide sobre os próprios sacerdócios, os sujeitos a quem incumbe, por assim dizer, “o ministério do mistério”. Incide sobre o mistério da liturgia. Esta prática, aparentemente fechada sobre si própria, exerceu uma influência enorme na maneira como a modernidade concebeu a sua ontologia, a sua ética, a sua política e a sua economia.

- Conceito/paradigma de ofício – comporta uma transformação decisiva das categorias da ontologia e da praxis. O ser (o que o homem é) e a praxis (o que o homem faz) ficam indistintas. Há uma perfeita circularidade. O ser resolve-se nos seus efeitos práticos. O ser é o que deve ser e deve ser o que é. Este paradigma define-se pois pela operatividade e pela efectualidade, nisso se distinguindo mundo do paradigma clássico.

- Efectualidade – em última análise, quer se trate do ser ou do agir, a única representação que temos hoje é a da efectualidade. Só é real o que é efectivo, e, como tal, governável e eficaz. O ofício, sob forma modesta ou gloriosa, modificou totalmente as regras da filosofia antes de modificar as da ética.

- Crise actual do paradigma do ofício – parece ser decisiva. Neste momento, em que mais se expande, parece ao mesmo tempo perder o seu poder de atracção.

- Ontologia da operatividade e do comando – o autor tenta compreendê-la através de uma arqueologia do ofício, em paralelo com uma “metafísica da vontade” (estudada por Ernst Benz). O conceito de vontade, que não tem sentido ontológico na filosofia grega clássica, foi elaborado a partir do neoplatonismo, e depois pela teologia cristã a partir do séc. IV, para explicar o processo que levou à hipóstase do um e à articulação trinitária do ser supremo.

- Produção no Um de uma inclinação para si – no neoplatonismo, é definida como “vontade” e “amor”: o Um era antes de tudo vontade. A vontade, que originalmente é vontade de si, designa o movimento interior a Deus, através do qual o Um, desdobrando-se sobre si, se constitui como intelecto e se dá como realidade e existência nas três hipóstases primárias.

- Poder [potência, força] – é, na sua essência, vontade, e o bem é vontade de si.

- Nascimento da metafísica moderna da vontade – Plotino identifica a vontade com o ser em si mesmo: a vontade e a substância são uma e a mesma coisa, e o querer coincide necessariamente com o ser em si mesmo. Identificação do ser e da vontade, pois.

- Desdobramento progressivo da unidade divina nas hipóstases – através da identificação do ser e da vontade, é conceito de um modo “essencialista”, como o será na teologia cristã.

- Vontade – é simultaneamente a origem do movimento das hipóstases e o princípio que permite reconduzi-las à unidade. E é esta “voluntarização” da metafísica grega que transforma pelo interior a imagem do mundo como motor imóvel (Aristóteles) e torna possível a elaboração do paradigma criacionista cristão.

- Papel importante – tido pela assimilação do modelo de Plotino na articulação da teologia trinitária e, também, pela antropologia cristã, que encontrará a sua formulação acabada na tríade agostiniana da memória, do intelecto e da vontade.

- Doutrina das hipóstases – implica uma concepção dinâmica do ser divino e uma nova ontologia operativa. Só uma definição precisa das características dessa nova ontologia permite explicar o aparecimento e a centralidade do conceito de vontade.

- Elemento decisivo – não é o facto do ser se encontrar “mobilizado” e em movimento (esse gesto já estava na ontologia de Aristóteles); mas é o facto do movimento do ser não se produzir por si mesmo, naturalmente, mas implicar uma “energeia” e um “pôr em execução” incessante. O ser é pensado como um “ergon” que remete para a efectuação por um sujeito que é caracterizado pela vontade em primeira e em última instância.

- Plotino escreve – se se atribui ao Um operações (“energeias”), estas operações produzir-se-ão sob o efeito da sua vontade: estas operações são então de certo modo a sua substância (“ousia”), e a sua vontade é idêntica à sua substância.

- Teologia cristã – o processo da auto-hipostização trinitária e da criação do mundo são produzidos como uma vontade da majestade divina. A economia trinitária e a criação são pensadas segundo o modelo da realização [“mise en oeuvre”] e da “energeia” e não como um processo impessoal. Daí a necessidade de identificar o poder de Deus com a sua vontade.

- Schelling – no seu pensamento moderno a metafísica da vontade tem a mais alta expressão: não há ser que não seja o querer; o querer é o ser originário.

- Conceito de vontade – introduzido na teologia entre o séc. III e IV porque a concepção do ser tinha acabado por se transformar num sentido operativo.

- Tal como o dever foi introduzido na ética para dar um fundamento ao comando, à autoridade, a ideia de vontade foi elaborada para explicar a passagem da potencia à efectualidade. Se o ser é algo que deve ser posto em acto, se ele implica necessariamente uma execução [mise en oeuvre], é necessário então supor a existência de uma vontade que o torne possível.

- Esta exigência já está de forma embrionária no pensamento de Aristóteles, em que o conceito de vontade aparece pela primeira vez num contexto ontológico para explicar a passagem do poder ao acto. Dado que o poder humano, enquanto poder racional, pode produzir uma coisa e o seu contrário, é preciso que o elemento soberano (“kyrion”) seja algo de diferente: vontade ou escolha.

- A ontologia do comando e a ontologia da operatividade estão assim estreitamente articuladas: o comando necessita, tal como a execução, de uma vontade. Querer é também (co)mandar, e (co)mandar implica necessariamente um querer.

- A vontade é a forma que o ser toma na ontologia do comando e da operatividade. Se o ser não é, mas deve realizar-se, então ele próprio, na sua essência, não é senão vontade e comando: e vice-versa, se o ser é vontade, então ele não é simplesmente, mas deve ser.

- O problema da filosofia por vir é pensar uma ontologia que esteja para lá da operatividade e do comando e uma ética e uma política inteiramente libertas dos conceitos de dever e de vontade.




voj

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Conferência

CONFERÊNCIA
PELO PROF. FERNANDO MATOS RODRIGUES
ANTROPÓLOGO, PROF. DO CURSO DE MESTRADO INTEGRADO EM ARQUITECTURA
ESAP, PORTO

SOBRE
Cartografias do espaço doméstico. As Ilhas do Porto - um estudo de caso

PROMOVIDA PELA SPAE
DIA 14 DE ABRIL DE 2012
15 HORAS
CENTRO UNESCO DO PORTO
(R. JOSÉ FALCÃO, 100 - PERTO DA LIV. LEITURA)

ENTRADA LIVRE

A SPAE AGRADECE A COLABORAÇÃO DA FUNDAÇÃO ENG.º ANTÓNIO DE ALMEIDA, QUE NOS CEDE A SALA DO CENTRO UNESCO GRACIOSAMENTE.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Colóquio Giorgio Agamben - programa






Programa

Colóquio/jornadas de estudo

sobre o pensador italiano contemporâneo

Giorgio Agamben

(n. 1942)

http://www.iep.utm.edu/agamben/ (2005)

http://en.wikipedia.org/wiki/Giorgio_Agamben (2012)

http://fr.wikipedia.org/wiki/Giorgio_Agamben (2012)

http://www.egs.edu/faculty/giorgio-agamben/biography/

http://www.facebook.com/profile.php?id=1731452550#!/events/235722089848171/

Dias 8 e 9 de Março de 2012 – Centro Unesco do Porto – R. José Falcão, 100 – colaboração da Fundação Eng.º António de Almeida, Porto – organização da SPAE e da ADECAP (associações científicas e culturais sem fins lucrativos sedeadas no Porto).

http://sociedadeportuguesaantropologia.blogspot.com

http://www.facebook.com/profile.php?id=1731452550#!/pages/Spae-Sociedade-Portuguesa-De-Antropologia-E-Etnologia/242375295851375

http://adecap.blogspot.com

http://www.facebook.com/profile.php?id=1731452550#!/pages/Adecap/283944584999116

Entrada livre sem necessidade de inscrição prévia

Coordenação conjunta de

Vítor Oliveira Jorge

http://www.facebook.com/profile.php?id=1731452550#!/profile.php?id=1731452550

E

Luís Carneiro

http://www.facebook.com/profile.php?id=1731452550#!/templesein



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Dia 8. Quinta-feira

9h00 Vítor Oliveira Jorge – Breve apresentação de Giorgio Agamben na perspectiva de uma pessoa sem formação em filosofia: por que interessa tanto a todos este pensador contemporâneo?
9h30 Luís Carneiro – Breve apresentação geral da obra/perfil filosófica/o de Giorgio Agamben

10h00 Cíntia Gil - Considerações sobre o contemporâneo
10h30 Gonçalo Leite Velho - Indelével: Gesto, Memória e Cinema


Debate (11h00-13h00)

15h00 André Dias – Contra a vontade

15h30 Rossana Mendes Fonseca – Assinatura, Enunciado, Arquivo

16h00 Viriato Porto - A comunidade que vem, ou o pós-anarquismo de Agamben


Debate (16h30-18h00)
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Dia 9. Sexta-feira

9h00 Maria José Barbosa - A experiência como mistério – leitura da história segundo Agamben
9h30 Joana Alves Ferreira - Homo qua Homo. O lugar singular de um corpo aprisionado. A obra O Aberto de Giorgio Agamben no contexto da relação entre homem e natureza, entre homem e técnica e entre natureza e história
10h00 Ana Vale - Paradigma e emergência em Arqueologia. Uma leitura dos textos: O que é um paradigma e Arqueologia Filosófica de Giorgio Agamben

10h30 Sérgio Gomes - O Passado, os Indícios e as Pistas: um cruzamento da leitura de Giorgio Agamben, Michel de Certeau e Tim Ingold


Debate (11h00-13h00)

15h00 Pedro A.H. Paixão - A questão das «medialidades puras» em Giorgio Agamben
15h30 Jorge Leandro Rosa - O messiânico como crise do pacto arcaico
16h00 António Caselas - A vida indomável, para além da regra e do direito

Debate final (16h30-18h00)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Conferência do Dr. João Tereso e AG anual

Conferência do Dr. João Tereso e AG anual




A Assembleia Geral da ADECAP para apresentação de relatório de actividades e de contas de 2011 e do programa de actividades para 2012 será no dia 31 de Março de 2012 no Porto, no Centro Unesco, Rua José Falcão, 100 (perto da Livraria Leitura).
Marcada para as 14 horas, começará efectivamente com qualquer número de sócios às 14,30 horas, para às 15 horas se iniciar a conferência do colega Dr. João Tereso.

Tema:
"Ambiente, agricultura e resiliência social na Pré-história e Proto-história do noroeste peninsular".

João Pedro Tereso é especialista em Arqueobotânica, licenciado em História, var. Arqueologia, Mestre em Ecologia da Paisagem e Conservação da Natureza, encontrando-se atualmente a finalizar o doutoramento em Biologia. Tem centrado a sua investigação na caracterização das práticas agrícolas e exploração de recursos lenhosos pelas comunidades humanas do passado, pretendendo compreender a sua relação com as alterações ambientais e sociais verificadas ao longo do tempo.

João Pedro Vicente Tereso

http://sites.google.com/site/joaopedrotereso/

http://arqueociencias.blogspot.com/

CIBIO - Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos/Research Center In Biodiversity and Genetic Resources
Faculdade de Ciências - Universidade do Porto/Faculty of Sciences - University of Porto

AGRADECEMOS A PRESTIMOSA COLABORAÇÃO DA FUNDAÇÃO ENG.º ANTÓNIO DE ALMEIDA, QUE AO LONGO DOS ANOS TEM SIDO INCANSÁVEL NESTA COLABORAÇÃO

PEDIMOS AOS SÓCIOS QUE ACTUALIZEM AS SUAS QUOTAS, POIS A ASSOCIAÇÃO DEPENDE EXCLUSIVAMENTE DELES. NÃO DISPÕE DE SUBSÍDIOS PARA 2012.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Intangible Elements of Culture

http://www.ethnoarchaeology.org/



Em Roma, nos dias 21/ 22 e 23 de Novembro de 2012, será realizado o seguinte:
"The Intangible Elements of Culture in the Ethnoarchaeological Research"
http://www.ethnoarchaeology.org/

Organizadores:
Francesca Lugli (AIE/IsIAO), Alessandra Assunta Stoppiello (AIE/IsIAO),
Massimo Vidale (AIE/IsIAO), Stefano Biagetti (Sapienza University of Rome)
Stefano Biagetti (Sapienza, Univ. of Rome)
Massimo Vidale (AIE/IsIAO)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

amor

Foto voj fev. 2012 - reprodução interdita.


Perdão pelas banalidades que vou escrever. O autêntico amor entre duas pessoas adultas está, para o "amor" correntemente procurado e praticado na nossa sociedade de hoje, como (permita-se-me a vulgaridade) uma verdadeira refeição para o fast food, ou um verdadeiro saber para a informação mercantilizada que para aí circ
ula. Custa. É um processo fabuloso de adaptação, naturalmente desejado, mas um processo extremamente complexo. Só que esse processo de verdade, de carinho, e de "cumplicidade" no melhor sentido, tem de ser construído também com algum sofrimento. Nem uma criança já acredita em amores à primeira vista, duradouros, do tipo "casaram e foram muito felizes". É muito diferente. Um amor feliz é como uma obra de arte: raro, mas tão cheio de momentos extraordinários que só ele de facto justifica viver. Naturalmente que a montante é necessário algum equilíbrio psicológico e maturidade de cada um dos envolvidos. Nem sempre o que parece é; também é preciso intuição, vontade imensa, e sorte (seja o que for que se entenda por isso). Só este amor vale a pena.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

TODA A BIBLIOTECA DE PESSOA ON LINE

TODA A BIBLIOTECA DE PESSOA ON LINE



Os livros da Biblioteca Particular de Fernando Pessoa estão
disponíveis gratuitamente online desde ontem à tarde no site da Casa
Fernando Pessoa.
Até agora, só uma visita à Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, permitia
consultar este acervo que é "riquíssimo", mas com o site, bilingue
(português e inglês, e disponível em :

http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt


com uma ligação à Internet é possível consultar, página a página, os
cerca de 1140 volumes da biblioteca, mais as anotações - incluindo
poemas - que Fernando Pessoa foi fazendo nas páginas dos livros.