segunda-feira, 17 de março de 2008

Surpresas : breve apontamento

Se pudesse resumir algumas coisas que me surpreenderam ao longo do tempo, diria: o paradoxo que é termos tantos meios potenciais à disposição para aprofundar um assunto, os temas que nos interessam, o que gostamos de aprender, e cada vez mais a "comunicação", a atenção vigilante ao exterior se impor por forma a obscurecer essa possibilidade,cobrindo todo o tempo disponível. O contraste terrível entre a exigência de concentração e a constante interrupção. A impossibilidade de construir um espaço de redoma em que a pessoa se sinta confortável.

A intensidade, urgência, quase o estilo SOS com que as pessoas se nos dirigem, num determinado momento (através de uma mensagem, por exemplo) pedindo ou comunicando coisas, as mais diversas, para logo a seguir se virarem para outros assuntos e nunca mais nos contactarem.

A centração absoluta de cada um em si, nos seus objectivos, nos seus projectos. Sobre isso (e outros temas - são três conferências) Elisabeth Roudinesco tem um livrinho muito interessante:
"A Análise e o Arquivo" (o último capítulo é "O culto de si"). Rio de Janeiro, Jorge Zahar ed., 2006.

A indiferença (pelo menos aparente) pelo que já escrevemos, como se cada pessoa nunca tivesse tido tempo para nos ler. O ruído que tudo isto causa, ter de voltar a repetir.
O cansaço de se passar uma vida à procura e de parecer que se está (e os outros também) sempre a partir do zero, quais Sísifos. Claro que isto é uma simplificação óbvia. Tudo está sempre em devir, mas às vezes vamos também encontar num livro dum autor antigo a frase, a reflexão certa, que parece escrita por nós.

Não há tempo para mais. Tenho de ir atender mais gente.

4 comentários:

O devir disse...

Surpreendendo-me….

Penso que a maior surpresa está em nos surpreendermos a nós próprios, através da reflexão interiorizada sobre os nossos próprios problemas, aqueles problemas que criam sonhos e devaneios, crises identitárias, estados depressivos ou apenas apatia.

Há algo que ainda não parou de me surpreender e é o ser humano, na medida de ser humano. Ora então temos toda a realidade pois ser humano é tudo. Mas sim concordo com essas preocupações de não termos tempo, de sermos interrompidos, de sermos lembrados e esquecidos muito rapidamente como num piscar de olhos.
Escolher comunicar através de um blog é um risco que o professor escolheu, as pessoas tem a sua vida fora da blogesfera e de certo modo usam este meio para comunicarem, por vezes, em alturas que se sentem mais sós, mais frágeis ou simplesmente mais entediadas. Procuram de uma certa forma encontrar um eco às suas preocupações, aos seus sentimentos, às suas opiniões. Como ninguém é santo, não somos livres do pecado de apenas querermos sentir que de certa forma aquilo que pensamos é também válido para outro. E aí procuramos alguém da “área”, que fale a mesma linguagem, que tenha lido pelo menos o mesmo que nós, para que possamos questionar e sermos respondidos. É ser egoísta, leviano, manipulador, baixo? Talvez! No sentido que estamos a jogar de desigual forma, de certo modo muitos o conhecem, conhecem-no no sentido físico, a cor e a intensidade do olhar, demasiado empenhado, demasiado distante (que por vezes contrasta com o pensador do blog, mais atento ao outro, mais palavra na palavra, para substituir os olhos nos olhos). Talvez alguns recordem com mais intensidade os lábios finos, outros os cabelos brancos, outros o aspecto bonacheirão e outros apenas o ar, as ideias, a forma de se deslocar a toda a pressa para o anfiteatro nobre, cumprimentando este, aquele, olhando de soslaio outro (de preferência que ele não notasse). Certamente outros recordarão longos discursos tanto na sala de aula como nas conferências sem se lembrarem já do conteúdo e outros lembrar-se-ão do olhar cúmplice para colegas de profissão numa qualquer conferência aborrecida na qual o professor era o mediador e muitas vezes a razão da existência daquela mesma conferência. Enfim um sem número de memórias de centenas de alunos que não caberia neste blog.
Andamos todos certamente um pouco atarefados em nós e certamente que este “nós” merece toda a nossa atenção e também por isso há um tempo atrás o professor decidiu cortar aos anónimos, para de certo modo se proteger contra palavras, que são sobretudo ideias que minam os nossos melhores projectos. Confesso que fiquei surpreendida, e de certa forma pensei em nunca mais escrever mas é uma verdadeira tentação pensar que estamos a ser ouvidos.
Penso que muitos o ouvem mas de certo modo poucos querem ser ouvidos com a mesma intensidade que querem ouvir. Para serem ouvidos tem que se ouvir a si próprios e nem sempre há disponibilidade, um parodoxo de certo modo surpreendente.

Enfim, com tempo para mais mas sem saber mais.

Patrícia Amaro

Vitor Oliveira Jorge disse...

A minha "queixa" de ontem não tinha nada a ver com este blogue. Era uma reflexão mais geral sobre a superficialidade, a pressa,a falta de tempo e de disponibilidade para um equilíbrio connosco e com os outros. Mas realmente a nossa condição é a de desequilibristas...ainda esta madrugada me deitei às quatro horas a conversar com uma pessoa, e isso pesa, estou cheio de sono!
Pelo que vejo foi minha aluna...ainda bem que comentou, por favor volte a comentar e até se quiser contacte-me para o meu mail. Estou sempre disponível para uma verdadeira comunicação...apesar do muito trabalho. Quando passei a moderas os comentários é porque havia uma (?) pessoa(s) ? que estava a abusar do anonimato com insultos e insinuações.Parece que acontece a todos os blogues, terem de introduzir esse sistema mais cedo ou mais tarde. Já agora, você tem um blogue mas não vejo lá nada...

O devir disse...

O meu blog....

Ainda estou a pensar o que colocar no blog. Tenho várias ideias talvez alguma delas se venha a concretizar.
Com tempo e alguma paciência talvez crie alguma coisa não banal.

A falta de tempo, a pressa, o esquecimento dos outros é fruto da nossa sociedade moderna que nos libertou em determinados aspectos mas que nos aprisionou noutros. E uma das prisões mais evidentes do mundo moderno é a forma isolada como vivemos e como nos relacionamos. Há quem diga que é dividir para reinar eu limito-me a pensar que é um erro do sistema como muitos outros.

Patrícia Amaro

Vitor Oliveira Jorge disse...

Faça, enquanto pensa. Ou faça para pensar. A vida é curta. Quando menos se espera, já passou.