domingo, 27 de maio de 2007

Paz, pós-modernidade... extractos de uma troca de mails com um amigo

EU - Mas a paz é o pior que há!

AMIGO - Depende da perspectiva. Para mim paz pode ser a vida autêntica...

EU - Quem não quis sempre paz no sentido de estar bem consigo próprio(a)? A ideia não é essa, mas a de paz podre que desgraçou a minha infância, adolescência e juventude, a paz de Salazar, é essa que detesto... Subtil, com contornos muito doces, a da conformação interiorizada de molde a parecer aspiração própria (a velha ideia da “falsa consciência” marxista).

AMIGO - ... (o que contraria tudo o que postulam as teorizações sobre a pós-modernidade). Depois de um tempo de fascínio pelos autores pós-modernos, sucede-se agora, à medida que envelheço, uma necessidade da procura do autêntico (?) rejeitando a encenação.

EU - Sobre a pós-modernidade há uma confusão entre situação objectiva (já não somos como os primeiros modernos, mas não é porque tenhamos escolhido, vivemos neste momento da história...), situação essa a que podemos chamar pós-modernidade, modernidade tardia, sobre-modernidade, etc., e ideologia pós-moderna, que tem a ver com o desejo/rejeição de dizer que esta época é melhor ou pior que as anteriores, que é a ideologia do capitalismo neo-liberal, etc. Ora bem, há autores que teorizaram isto e foram mesmo de direita, ou derivaram para a direita; há os que denunciaram isto, à esquerda; e entre ambos há todas as cambiantes possíveis...
Por mim, procuro perceber o mundo em que vivo, também através do que sobre ele escreveram e escrevem os autores; as suas controvérsias; e distinguir entre o que são, digamos, problemas objectivos, contornáveis ou não, e opções subjectivas, que aliás (julgo não ser dogmático) mudam com o tempo. Porém mudam não ao sabor das modas, mas segundo uma lógica de procura. Mudam porque a lógica do pensamento, hoje, é a mudança rápida, a atenção e sensibilidade ao que se passa, sem nos deixarmos arrastar na lógica superficial e enganadora dos media. Eu não procuro encenações: estou, desde que nasci, dentro delas, e tento de vez em quando ao menos (leitura, reflexão, ESFORÇO que aliás se transmuta facilmente em prazer) sair do teatro e ganhar distância em relação ao estranho papel que me puseram, de algum modo, com a minha conivência em parte inocente, em parte obrigada, a representar...

AMIGO - A aproximação de Fromm a este conceito parece-me interessante para travar o relativismo radical.

EU - Conheço mal, mas pressinto que é capaz de estar desactualizado... Embora em todos os bons autores haja sempre algo que perdura, claro. Se me quiser resumir em 2 linhas o que acha da ideia dele, agradeço.

AMIGO - De resto quando identificamos a encenação não será porque andamos à procura do autêntico?

EU - Claro, mas o “autêntido”, da Bayer, quem o certifica? Ou seja, qual é o nosso referencial último para o valor? O dinheiro, esse é que é autêntico, numa sociedade capitalista (embora autenticamente virtual, dado ser um capital volátil e metafísico, existe porque existem transacções e fluxos, não existe em si, é como outras formas de energia)

AMIGO - Não sei. Nestes tempos tão estranhos é difícil encontrar A resposta; só uma multiplicidade de alertas, de pontos de vista cujos autores percorrem o mundo à procura de ouvintes para que esses ouvintes comecem a repetir as suas palavras para as reificar como verdades.

EU - Creio que:
- não há uma paragem, um ponto de chegada global – que alguém possa IMPOR ao outro como nas grandes narrativas que deram grandes chacinas – já é bom!
- é preciso trabalhar muito e começa-se a ver nós, articulações. Uma sociedade em malha acaba, se não nos prender nas suas malhas, isto é, se pelo esforço crítico conseguirmos ganhar recuo, por ser muito transparente a si mesma.É fascinante começar a PERCEBER, a fazer sentido. Fazer sentido é sempre uma sensação de felicidade... Para não dizer uma necessidade ontológica!

1 comentário:

Anónimo disse...

Fromm morreu nos anos 80. Vinte e sete anos depois o mundo das ideias sofreu grandes mutações...Fromm falou de “actividade espontânea” e de uma “propensão produtiva” nos humanos para sublinhar que qualquer coisa que os humanos pensem ou façam ou sintam, a produzirão por um impulso próprio, com a ajuda das suas faculdades espirituais, psíquicas e físicas. Descreveu o ser humano “original” e “criativo” para assinalar que qualquer manifestação vital tem a sua origem no próprio ser ( e não é uma apropriação) sendo assim uma qualidade criadora. Somente tendo em conta , que a vida humana e o crescimento psíquico obedecem a leis próprias, terá o homem uma vivência autêntica de si mesmo, pois é autor, artífice e sujeito da sua humanidade. Se se rejeita esta opção, surgem as disfunções, o sofrimento, o aborrecimento, a falta de imaginação, o vazio interior, o desalento. A negação destes sentimentos vitais revela um profundo sentimento de impotência, tanto mais marcado quanto menos capaz é alguém de viver com as suas próprias forças. A vivência destes sentimentos de impotência pode expulsar-se da consciência e assim dar espaço às vivências da realidade encenada para cada um. De acordo com Fromm as disfunções e o sofrimento são indícios que os seres humanos não vivem autenticamente e não têm acesso a um melhor conhecimento de si mesmos. Contudo viver autenticamente pode voltar a aprender-se se cada um evocar a sua força original e a empregar. Neste sentido Fromm faz perguntas sobre a natureza humana, a sua essência, as diferentes noções de liberdade, o desenvolvimento do eu individual etc. Ilustrou, com experimentos de hipnose como se perde o eu ao ter que vender a sua personalidade. Dá sugestões para reaprender a viver autenticamente, começar a ver, a recuperar a capacidade do assombro, conhecer-se melhor, assumir os conflitos e enfrentar a realidade com as próprias forças, isto é em sintonia com o nosso eu mais profundo.
Digo eu, Fromm estará fora de moda por usar o termo espiritual e contrapor a força do espírito humano às sua próprias criações, isto é, ser capaz de resistir aos condicionamentos dos objectos e artefactos físicos ou virtuais criados pelos humanos, mantendo a sua criatividade em estado activo.