terça-feira, 8 de dezembro de 2009

fora d'horas




do outro lado do atlântico
ainda é dia, enquanto aqui
a noite já se desdobra
sobre si mesma
há muito

em colchas e colchas,
todas dobradas
como ondas grenás, paradas
e com sombras entre cada uma

(a cama repousa sozinha
noutra sala, uma cama que ocupa
a sala toda)

estamos aqui há horas no messenger
em frases sucessivas, ondas ou dobras
de uma colcha que se vai estendendo
sobre o atlântico

e nela de um lado é dia,
e do outro lado é noite,
e acontece assim
uma espécie de cegueira

(enquanto noutra sala
o vulto dorme
sobre a colcha
entre as dobras,

e daqui até lá
vai todo o meu espaço
e todo o meu tempo
já vividos)

então acendem-se
lâmpadas
muito fortes,
e queimam
as mãos sobre as teclas;

e vem violenta a frase,
como onda,
como dobra gigante
sobre todo o planeta,

quando o atlântico ondula
sob o apelo terrível
que se dobra
vezes e vezes sobre si
dentro do escuro
da garganta

"pára,
tenho um incêndio
no ventre,
tenho o ventre
em carne viva,
estremeço,

e é
insuportavelmente
delicioso":

sobre o atlântico.
a colcha enorme.
estendida, em extensão.

a cama a dormir alta noite.
as ondas, as dobras, as vagas
grenás.
o som do Morse.

as teclas todas fundidas
na ponta dos dedos.

daqui até lá
todo o tempo

até à dobra
da minha morte.





voj dez. 2009 porto
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