domingo, 28 de setembro de 2008

corpos







Os dias

Passam tão depressa
Como se o corpo ao acordar
Estivesse já colado à parede
Da noite, exausto.

Que noite? Em que cidade?
O corpo não sabe, na sua luta
Para se libertar.

As luzes. As fachadas.
Tudo quanto baliza, e cai do céu
Impondo-se

O corpo quer ultrapassar, fugindo
De si próprio, ou tentando
Dobrar-se para dentro dos seus forros
Até desaparecer na textura dos tecidos,
Das paredes.

O corpo odeia as superfícies, o corpo
Foi feito para voar. Mas o maldito peso
Prendeu-o ao solo, e o maldito tempo
Colou os dias uns aos outros.

O corpo quereria dobrar-se como um saco
Portátil. Como uma mochila que se fecha
Para dentro de si mesma, e aí impermanece
Como a cobra que já não está no seu covil.

O corpo sobe pelos altares, pelos tubos
Dos órgãos. Totalmente iluminados, a escaldar
De luzes e reflexos e notas e sons que gargantas
Espalharam no ar denso ao longo de séculos.

O corpo assoma às varandas, para se evaporar.
Para se tornar gaze, doce de açúcar branco
Que a atmosfera trespassa e dilui.

Nada há de mais irrequieto,
Nada que se mova mais
Que este questionamento,
O do corpo da mulher como protótipo
De todo o corpo mortal.

Oh deus, doce ilusão que nos abandonaste,
Deixando-nos entregues ao corpo,
À prensa dos dias e das noites,
E ao malvado tempo e espaço
Tirania da realidade.

Acendem-se as luzes em todas as cidades
E sobre elas pousamos em vão
Como grandes aves que deviam ter ficado
Lá de onde vieram,
E que deviam ter chegado para morrer na pista
Como grandes sacrificiados.

Ao menos essa Glória!





Fotos: Sacha Federowsky
Fonte: http://www.sachafedor.eu/index.html








Texto: voj
2008

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