sábado, 30 de agosto de 2008

Em defesa da "masculinidade" atacada pelas imagens




Nos anos 60 fomos bombardeados por uma invenção genial, porque inclusivamente barata, democrática por assim dizer: a da mini-saia. Com muito menos pano, produziam-se efeitos inesperados e sempre novos. Por vezes mesmo, de se lhe tirar o chapéu.
Ora, que seria da vida humana sem "efeitos"? A habilidade está em produzir efeitos universais através de um conjunto de métodos infalíveis, porque baseados em estruturas inconscientes que o mercado explora e constantemente utiliza.
Os "hot pants" (calções muito justos) ou outras invenções, como o mostrar da zona do umbigo (com todo o efeito cénico que permite) vieram enriquecer a coquetterie desses tempos.
Ultimamente generalizaram-se novas fórmulas baratas - diria mesmo gratuitas - de sedução: roupa rasgada (com o mesmo efeito de produzir um objecto de desejo que vai mudando com o movimento), roupa descaída (transformando em roupa exterior o que antes era underwear, com todo o simbolismo e poder que esse underwear tinha), mesmo até roupa suja. Evidentemente que a ausência de roupa não precisa de muita imaginação. Mas já a arte do strip-tease não é - como todos bem sabemos - para brincadeiras, e tem os seus manuais de "know how", sempre em devir. Por outro lado, a transparência do corpo é uma realidade: as grávidas ostentam orgulhosamente em bikini ou de outros modos o que dantes disfarçavam, as pessoas sentadas mostram parte do rabo porque o corte das calças assim o permite (produz), etc. Quer dizer, há uma espécie de (pseudo -)erotização generalizada e o seu inverso, que é a banalização de certas áreas antes interditas do corpo, ou pelo menos interditas em certas ocasiões ou contextos. No fundo acontece algo de análogo com a obra de arte neste novo "glamour": tudo é e não é, dependendo da maneira e do contexto de usar, de mostrar, de ser visto, de ver. Há uma des-substancialização, uma escorrência "livre" dos signos, o assumir na vida de todos os dias que uma imagem, um signo, um significante só faz sentido (este, aquele, ou aqueloutro) dentro de um discurso, de um contexto, de uma envolvente. O que pode ser o objecto despoletador do desejo num contexto pode, notro diferente, ter até o efeito contrário, provocando a náusea, quer dizer, aproximando tanto o que dantes era fantasia que ela se torna pornográfica, obscena, demasiado exposta e, em breve ou imediatamente, in-diferente. O sujeito desejante não pode ter a fantasia demasiado perto, não a pode ver aproximar-se, não pode sentir o tacto e a respiração do seu fantasma: isso causa-lhe pavor. O que de facto o ser desejante muitas vezes deseja é ver a distância, quer dizer, é ser "voyeur", mesmo que tenha a máxima intimidade com o seu objecto. Estas são matérias muito sensíveis...
Por exemplo, não sei que poderoso efeito tem agora esta "moda" generalizada de mostrar o corpo feminino desnudo no seu centro, quer dizer, onde o eixo da sedução quebra em mais dobras: mas, de novo, é genial. E com efeitos muito diversificados. Por vezes, a pessoa vai por assim dizer nua, no sentido de que vai "a pedi-las", isto é, a atrair voluntariamente o olhar seduzido, cobiçoso, desesperado de não poder aproximar-se, tocar, miticamente "possuir". Outras vezes tem o efeito de uma pessoa na praia, é a pura indiferença, a pura ausência, a imagem não está ali. Outras ainda o efeito chocante do cadáver, quer dizer, o corpo revela-se como corpo nu, presença forte, mas no sentido de inerte, inerte para o desejo, incapaz de o despoletar, pelo menos naquele contexto e para aquele específico observador. É a presença de uma ausência confrangedora, eventualmente desprezável (ível), porque assumindo uma pretensão (de sedução) com consequências opostas (de repulsa).
Ambiguidades e contingências de um mundo em que a imagem não só se sobrepõs à realidade, mas fabrica constantemente novas realidades: às vezes basta cortar um pouco de pano...
ou - e isto é tão antigo!, esta sabedoria - , mais subtilmente, um corpo vestido, mercê de um gesto hábil, tornar-se subitamente nu, isto é, insuportavelmente presente como objecto desejado, inadiável. É então quando o outro como "pessoa" (imagem incorporada num locus estável da ordem simbólica) desaparece para se tornar totalmente na projecção do desejo do próprio. É nesse sentido que Lacan dizia que a relação humana, e em particular a relação sexual, é impossível, não existe. O desejo cega? Não, nós nunca chegamos a ver, a ver de frente, a ver tudo - nós não somos Deus. Simples criaturas contingentes, nós somos ou não somos vistos, pobres de nós, pelo fluir interminável, e frequentemnente escravizante, das imagens.

Mas, para ser franco: há formas de escravidão suportáveis... e até desejadas pelo servo... outro tema que dava pano para mangas, para não sair do vestuário e suas cobeturas e des(coberturas).



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