quarta-feira, 19 de setembro de 2007

muito que fazer

Pôr do sol visto da minha cozinha.

Uma colega e amiga dizia-me ontem, sob a forma de certo espanto interrogativo, o que muitas pessoas me têm dito: como é que eu, já muito ocupado com actividades ditas "profissionais", ainda tenho tempo de me dedicar à poesia... ou a este blogue, por exemplo.
E eu respondi-lhe: as épocas da minha vida em que fui mais "apertado" por obrigações foram aquelas em que, compreensivelmente, mais necessitei de fugas (por exemplo, tese de licenciat
ura, tese de doutoramento, agregação, algumas obrigações burocráticas). Como julgo que acontece com toda a gente. Um indivíduo, se muito "apertado", acaba por explodir... e para que isso não aconteça, vai arranjando as suas estratégias de fuga, de compensação, de "recarga de baterias", etc. Num equilíbrio e desequilíbrio permanentes.
Como dizia o Ramos Rosa, não posso adiar o amor para outro século...
Por isso, roubo ao sono, como ainda hoje, para poder ter uns momentos só para mim, pôr-me em ordem interiormente.

Claro que a maior parte das coisas que faço ou escrevo nestes momentos nada têm de transcendente...a poesia não sai espontânea
a qualquer momento, envolve uma conjunção de factores, uma energia e uma disponibilidade que nem sempre existe. O que se escreve são apontamentos, sugestões que continuamente aparecem à consciência, e que poderão vir (ou não) a ser desenvolvidos nalgum trabalho consequente.
Ao contrário da figura (ideal, ou abstracta) do tipo produtivo, criativo, sempre com ideias, o que de facto acontece é que ter uma ideia de jeito leva muitos anos e implica muita aprendizagem,
muita experiência, muito amadurecimento (no qual algum - por vezes muito - sofrimento está obviamente presente).
Uma certa soberania pessoal, baseada na ilusão (óptima ilusão) de que há um espaço mínimo em que nada nem ninguém nos domina ou controla (nem mesmo o excesso de obriga
ções tendentes a estiolar qualquer vontade) é fundamental, para cada um de nós (nessa esfera do outro não devemos querer entrar, porque ela é fluida, pessoal, intransmissível). Essa "ilusão" é, afinal, realidade. E é com essa utopia tornada realidade, espantosamente, que os homens e mulheres de todos os tempos criaram alguma coisa digna de ser contemplada e fruída pelos outros.
O puro consumismo hedonista, para além de ter um certo aspecto obsceno, é um engano para o próprio que o defende ou pratica. Porque é um sinal de regressão infantilizante com que a pesso
a sabe que se anda a enganar a si própria, numa girândola de actos gratuitos, ou mesmo de "bebedeiras com ressaca" (seja de que tipo forem...).
Tenho pena e fujo como o diabo da cruz dessa dissolução... desse esbanja
mento (ou daquilo que aos meus olhos aparece como tal).
Moralista, eu? Mas quem não o é?... deixemo-nos de hipocrisias óbvias.
Para mim, o valor e atracção de uma pessoa, mesmo do ponto de vista afectivo, reside
na energia vital que essa pessoa irradia e comunica. Detesto enfezados de todos os tipos, que hesitam sempre, amdam sempre no "meio-feito", aborrecem-se a si e aos outros constantemente. Mais vale uma pessoa menos sensível e inteligente mas com força do que um tipo de pessoa que hesita constantemente, se fecha na sua cápsula, não se entusiasma (aparentemente) com nada, só quer é gozar (ou dar mostras disso) e no fundo vive mal consigo, nada de jeito produzindo*. Não há pachorra!

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* Entendamo-nos bem: por "produzir", aqui, não entendo que as pessoas tenham a obrigação de fazer compulsivamente isto ou aquilo. Mas quem usufrui (ou deseja ardentemente usufruir)
dos confortos da cultura e da civilização só tem direitos? Não tem deveres para com os outros, para com a comunidade, para com o país?
Toda a gente diz que Portugal é pequenino, mesquinho, chato, e que está farta disto. Certo. É verdade. Vive-se aqui um clima deprimente. Mas, pergunto, o que é que cada um de nós já fez de verdadeiramente significativo par
a mudar as coisas?
É que, quando toca ao sacrifício necessário à fuga à rotina medíocre, muitos preferem o conforto da rotina medíocre. Então, se fazem favor, não se queixem. Emigrem, ou façam por isto.
Baixar os braços, não.
Está (quase) tudo para fazer: arregacemos as mangas e deixemo-nos de bons pretextos. Todos e cada um temos a nossa lista de bons pretextos para nada fazer. Estou farto de indecisos. Disse!






1 comentário:

Anónimo disse...

Que roupa é essa? é mesmo indulgente