domingo, 25 de maio de 2008

Seminário de Introdução ao Pensamento Crítico Contemporâneo em Braço de Prata . uma iniciativa imperdível, deuses meus! - sessão de ontem




Foi excelente e esclarecedora a apresentação que o Doutor José Luís Garcia (ICS, Lisboa- na foto à esq.), investigador que já evidentemente conhecia, mas que nunca tinha tido oportunidade de ouvir, fez ontem sobre Georg Simmel, enfatizando numerosas das suas ideias, e em particular a obra "A Filosofia do Dinheiro" ("The Philosophy of Money", com 3ª ed. publicada pela Routledge, Londres, em 2004 - obra a que já tinha feito referência neste blogue, salvo erro. O último capítulo é crucial). Seria longo resumir aqui a palestra sobre este autor, essencial para se perceber os paradoxos da modernidade. Simmel, como acentuou José Luís Garcia, é um pensador neo-kantiano, vitalista, que vê com apreensão, como tantos outros, o desenvolvimento da técnica (que se transformou num fim em si, em vez de um meio), estando no sentido oposto de uma ideologia do progresso, e por outro lado vai num caminho diferente do de uma salvação escatológica, de raiz cristã, como a de Marx, embora este seja um autor a quem deve muito, como evidentemente todos nós.

Cada realização do ser humano, em vez de resolver problemas, cria novos problemas. Mas não se trata de um pessimista. Não é é um pensador da resolução, da resposta, como acentuou JLG.Também referiu, por exemplo, que o problema da ciência é que ela é confundida com um modernismo mecanicista, e endeusada em Portugal por oposição a uma tradição religiosa. Assim, este autor não está traduzido entre nós e é desconhecido de muitos, devido a certa debilidade mental (= falta de estudo e de superação de preconceitos correntes) de muita gente que se diz de "esquerda".
Esquerda que evidentemente se não pode afirmar verdadeiramente no espaço público a partir de arcaísmos conceptuais, reivindicações pontuais, ou de compromissos de toda a sorte com o vigente a que já nos habituámos.
O vigente atravessa uma crise à beira da implosão e o capitalismo internacional tem evidentemente um batalhão de cientistas sociais e outros a trabalhar nisso,
pois claro.
Tal modelo porém nem é o fim da história nem é tolerável, quaisquer que sejam as suas capacidades, extremamente bem pensadas, de manipulação, nomeadamente através da tecnologia mediática e da chamada informação.
Sem um pensamento crítico, a coisa pública fica reduzida à administração corriqueira e à orquestração dos jogos de interesses e partidários/pessoais. É um reforço constante de um "status quo" cada vez mais preocupante, a nível mundial e nacional. Razão pela qual pensar, estudar, reflectir criticamente, pôr-se em causa, aprender, mais que nunca, é um acto político para se poder intervir com pertinência, com um mínimo de dignidade. É um dever ético. É um evitamento do ridículo de andar a emitir opinões sobre tudo e sobre nada, fazendo sistema, de que se riem os "administradores" da vida real, enquanto cada vez mais pessoas sofrem com a "americanização" do mundo.
Mas quem é esse "se" e quem quer intervir com pertinência e em que sentidos? Esse é o campo da política, hoje dividida, segundo um modelo tecnocrático, entre as posições dos "técnicos" (dos que estudam) e as decisões dos que actuam (os que decidem - embora ao nível nacional, isto é, do estado-nação, a sua esfera de acção diminua na proporção inversa da sua performance espectacular).
Que são as universidades senão máquinas a quem cada vez é mais pedido que propaguem conhecimentos "fast" e gerem quadros "fast" para um sistema que na primeira ocasião os substitui por outros? Entretanto teremos muitos licenciados e até mestres ou doutores nas estatísticas.
Mas quem serão essas pessoas? Onde está o espaço crítico da saber, da investigação, da reflexão verdadeiramente fracturante? Em alguns centros de excelência, sem dúvida, mas o resto (a grande maioria) está a ser alvo da aposta que merece, para que o nosso país retenha os melhores em TODOS os domínios, e não apenas nalguns centros de elite?...
Fazem-se muito eventos, numa vontade legítima de afirmação e de sobrevivência, mas poucos são os que realmente marcam, quer no sentido de um pensamento aberto à realidade extremamente movente em que estamos a ser arrastados, quer no sentido da fuga à elitização do pensamento crítico e da vivência estética, confinada a uma minoria de bem-pensantes e de gurus, e que tende pois a alojar-se, como nova mercadoria rara, como capital simbólico determinante numa lógica de reforço do vigente, em certos sectores minoritários e ilustrados.
Por mim conheço como professor muitos jovens que não têm dinheiro nem tempo nem bolsas para pensar e investigar estando a ser trucidados no seu mehor capital, esgotando diariamente as suas energias a servir um sistema (neste caso o da arqueologia de intervenção) que na maioria dos casos não dá tempo às pessoas para pensarem sequer no que andam a fazer, quanto mais para olharem para o que os rodeia! A sua frustração é evidente... quando também é evidente que há muitas pessoas de elevada categoria no meu campo, muitos jovens, que se fossem estimulados eram tão bons ou melhores do que os seus colegas estrangeiros, evidentemente.
Mas a falta de condições lembra certos filmes neo-realistas italianos: tudo a gritar contra todos, a acusar-se mutuamente, esquecendo que o "adversário" (a causa da sua irritação, do seu mal-estar, do seu desencantamento) está fora e ainda por cima, no melhor dos casos, a apreciar o filme como um aperitivo...para depois ir tratar de coisas mais "sérias". É confrangedor.
E, como professor, sofro com isso, luto na minha docência para contrariar este estado de coisas, o baixar dos braços, a rotina, o cada um a querer safar-se por si. Esse individualismo pernicioso é arcaico, pré-histórico. Ninguém é bom isolado, sem estudar o que os outros fizeram, sem dialogar com os mehores, sem se atraver a a falar e a publicar em fóruns internacionais e nacionais. Ando a ensinar para quê, pergunto-me às vezes, para além de precisar do meu salário? Por exemplo, desafiei uma quantidade de alunos, colaboradores e amigos a virem a Lisboa ouvir este seminário e nem só um foi... estivemos lá da "escola do Porto" eu, a minha mulher Susana e Gonçalo Velho, do IPT...todos os outros tiveram de tratar das suas vidas... o que significa em geral falta de meios económicos e também de interiorização da import>âqncia que têm ocasiões destas, como aliás as conferências de Serralves ou as que se promovem na FLUP e em, muitos outros lados. Mas, no balanço geral, há que saber escolher, pois muita gente fala mas não são multidões os que são capazes, em Portugal, de falar de alguma coisa com verdadeira "autoridade" (capacidade de dominar um capital cultural) de quem estudou o que se propõe comunicar.

É preciso de novo e sempre fazer o esforço de pensar para actuar e actuar pensando, como sempre fez qualquer pessoa inteligente, seja de esquerda, seja de direita. Vencer a preguiça, superar a mera informação televisiva e de jornais.
Senão qualquer dia ainda temos aí uma nova modalidade, actualizada, modernizada (que quer dizer esta palavra?) de política salvífica como já tivemos a desgraça de conhecer na época se Salazar, que veio de Coimbra para salvar as finanças públicas e depois ficou lá décadas a transformar Portugal num museu e a minha geração numa geração de traumatizados. Mas as pessoas comuns de início adoraravm-no porque era o que vinha "pôr ordem no caos..."






A Prof-ª Silvina Rodrigues Lopes (FCSH da UNL) , uma das mais brilhantes pensadoras portuguesas, falou sobre Jacques Derrida, autor fascinante, de cuja vasta obra havia aliás muitos exemplares à venda. Por exemplo, "Força de Lei" (sub-título: O "fundamento místico da autoridade") que foi publicado pela Campo das Letras, Porto, em 2003.
Como pensar sohre o direito, e lei, a justiça, e muito mais... sem ler autores como este?!... "não pode". Ora, é extremamente instrutivo ouvir quem já os leu e sobre eles meditou em profundidade. Foi o caso de SRL.

Esta sessão de ontem foi mesmo muito importante.
O Seminário conclui no próximo sábado. Um dos autores em foco vai ser Slavoj Zizek.
Ir do Porto fica carote, mas é um investimento que vale a pena! A entrada individual só são 4 euros. Para quem esteja em Lisboa, então, é um must! ...

___________
Fotos: VOJ

Sem comentários: