domingo, 17 de junho de 2007

À deriva?

Durante algum tempo segui à distância a questão da descoberta de um barco com um tesouro que teria sido descoberto pela empresa Odissey perto de Gibraltar.
Tenho sempre alguma atenção quando se trata deste tipo de discussões mediáticas. Sei bem como são os media e como a avalanche pode causar mais problemas do que soluções.
O próprio clima de "descoberta" não ajuda.
Esta notícia fez com que mais uma vez se falasse sobre as famosas empresas privadas de "caça ao tesouro" que exploram os sete mares. É um tema problemático, sobretudo num país como o nosso em que a crise levou a uma completa reformulação no modo como a Administração gere o Património.
Em Espanha todo o caso gerou uma enorme polémica, a Portugal chegaram os ecos da história.
E se ele estivesse em águas portuguesas? Não se trata de um cenário completamente impossível. Ele aliás foi levantado quando se afirmou que o navio não se encontrava em águas espanholas.
O recente desmantelamento de uma série de instituições em Portugal na área do Património é preocupante. Ele resultou de vicissitudes várias em que somos todos pródigos. Vou voltar um pouco atrás na história.
A criação de um organismo e Portugal que tutelasse o património arqueológico deriva de toda a problemática do Côa. Mas isso não aconteceu apenas devido à mediatização do Côa e à mudança de políticas que o governo Guterres tentava criar. Há um problema de fundo que era expresso naquilo que era o programa da Comissão Instaladora. Esse problema era (e ainda hoje é) o facto de não se conhecer o que existe em termos de Património arqueológico a nível nacional. A estratégia de inventariação do então IPPAAR estava comprometida por falta de meios, de vontade política, e de muitas outras razões. Uma das principais premissas do IPA seria a de fazer face perante o problema.
Vou passar por cima de toda a novela que marcou a história curta do IPA. Também não quero entrar aqui em polémicas sobre o IGESPAR. A minha preocupação fundamental é a de saber como o Estado português está a agir na área do Património. Aquilo que se pede num país com poucos recursos é que exista o básico. No caso penso que o navio bate no fundo quando o património se encontra a saque. Aí é quando o Estado falha completamente.
Entre uma estratégia que garantisse a investigação e outra que garantisse a inventariação (o que não é inconciliável) a política do Património em Portugal debate-se sempre com um problema essencial, que é a falta de verbas e a canalização das mesmas para este ou aquele lugar.
Para além da espuma dos dias (das polémicas mais ou menos mediáticas, com afirmações mais ou menos ao sabor das correntes) fica uma postura de Estado sobre o que é essencial em determinadas áreas. A Ministra da Cultura espanhola agiu bem quando tentou salvaguardar os direitos do Estado espanhol. Em Portugal o Estado português agirá bem se obtiver as mesmas garantias (não tem de imitar, tem é de salvaguardar).
Naturalmente que não se fazem omeletes sem ovos. Sem especialistas em determinadas matérias Portugal vive na dramática situação de seguir a corrente. Somos a periferia da Espanha que se foi apetrechando de meios (a nacionalidade e o Património em Espanha...). Esta história serve de exemplo. O Estado espanhol seguia de perto a actividade desta empresa, etc etc.

Há ainda uma questão para a qual penso que importa reflectir, que é na questão "Polémica". A polémica é também uma participação cívica. Ela surge sob a forma de um activismo mais ou menos esclarecido. No meio dela existe claro a confusão da opinião. A emissão da opinião torna complicado que se abordem determinados temas. Afinal as opiniões valem o que valem. Mas castrar a opinião seria ainda pior.
Certas polémicas assumem-se como verdadeiros linchamentos públicos. Penso que isso revela uma questão dialéctica relativa à transformação das relações de poder. Para perceber isso tínhamos de voltar atrás a Hegel. Penso que esse retorno à leitura de Hegel vai acontecer mais cedo ou mais tarde.

O facto de nos interessarmos por determinados assuntos não nos pode tornar autistas face ao mundo. Penso sempre na distinção do Heidegger entre Autêntico e Inautêntico. Apesar de queremos alcançar o "pensar" (a tarefa do pensar) a verdade é que estamos sempre a cair no dia-a-dia. Tropeçamos nele sempre. Mas é também da nossa responsabilidade aproveitar as deixas que o dia-a-dia nos trás. Afinal ele também pode ser um enorme argumento para que se possa pensar.

(publicado também no Gundisalvus)

1 comentário:

Anónimo disse...

Tema problemático este, do património estar a saque, nem sei o que dizer... penso que a arqueologia em Portugal vai muito mal principalmente porque se formam arqueólogos para serem trolhas e não para serem investigadores. Mas afinal de que serve o património se ninguém souber realmente discursar sobre ele. É muito bonito realizar uma escavação de emergência ou um acompanhamento de obra com o objectivo de proteger e perceber o património mas eu gostava de saber qual é o arqueólogo iluminado que consegue ler numa sondagem minúscula a história do sítio, que noutros sítios leva décadas a perceber. Ou eu sou muito burro ou eles são muito espertos. Questões como estas levantam o tapete por baixo dos nossos pés.