domingo, 27 de abril de 2008

Notável música, suprema exaltação


Morro

1
Morro, eis-me morrendo
Minha bela inimiga: ofendi-te demasiado.
Ousei elevar os meus pensamentos demasiado alto,
Peço-te perdão e em troca
Desejo um sinal de paz,
Nesta última e cruel partida,
Não quero abandonar a vida sem um beijo teu.

2
Choro o dia inteiro; e também de noite, enquanto
Os infelizes mortais gozam do seu repouso,
Encontro-me em lágrimas, e com os meus males acrescidos;
Passo assim o meu tempo a chorar.

Consumo os olhos em profunda tristeza,
E o meu coração em dor; sou o último
Dos animais, pois as flechas do amor
Sempre me mantêm banido de qualquer paz.

Sim, porque de um sol a outro
Ou de uma sombra até outra, já percorri
Uma parte desta morte a que chamam vida.

Sofro mais com a falta dos outros que do meu mal,
Pois que a Piedade viva, meu fiel conforto,
Vê-me arder no fogo, e não me presta ajuda.

Francesco Petrarca
Música de Cláudio Saracini (Florença, Inícios do séc. XVII) interpretada por
Le Poème Harmonique, direcção de Vincent Dumestre
Ed. alpha, 2007



(trad. minha do poema que corresponde à primeira faixa desta obra)
Imagem da capa: detalhe de Apolo e Dafne, por Gianlorenzo Bernini, Roma, Galeria Borghèse

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