terça-feira, 1 de abril de 2008

Anuncia a Universidade de Évora




Realiza-se no dia 21 de Abril, pelas 17h30m, Palácio do Vimioso (Sala 111) - Universidade de Évora, a Conferência:

"Património arqueológico na sociedade contemporânea: contributos pessoais para uma reflexão sociológica, filosófica e psicanalítica"

pelo Professor Dr. Vítor Oliveira Jorge (Catedrático de Ciências e Técnicas do Património da Faculdade de Letras da Univ. do Porto).


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Resumo


O autor desta conferência é arqueólogo. Pelo menos assim o “certifica” oficialmente a sua especialidade de doutoramento, as matérias que é suposto ensinar e as áreas em que sedimentou alguma competência; campos mínimos da grande “nebulosa” que é a arqueologia.
Mas nas últimas décadas, a par da extrema especialização, deu-se também um movimento no sentido da diluição de fronteiras disciplinares, por um lado, da “alta” e da “baixa cultura”, por outro, e uma grande tendência para, numa sociedade mediática e hedonista, se poder (e de se ser mesmo compelido a) atravessar “limiares” que dantes eram barreiras intransponíveis. Um ensino que se confinasse hoje à transmissão de conhecimentos, com distância entre formadores e formandos, sem afectividade nem aproximação aos problemas reais de cada aluno, e sem a assumida subjectividade de cada professor, seria um ensino ineficaz, criador de tensões e de exclusão.
O património arqueológico é um tema tão “bom” como qualquer outro para uma perspectiva sociológica, filosófica, e mesmo psicanalítica da contemporaneidade. E também um “bom lugar”, ou ponto de vista, para pensar uma nova forma de aprendizagem, de vivência, de investigação e de comunicação. Uma, não: múltiplas, tantas quantas as pessoas que sobre ele queiram reflectir e com ele queiram actuar, interagir.
Pensar por exemplo de que é que ele é sintoma. Por que é que, ao mesmo tempo, desperta tantas paixões (e vocações recalcadas, de pessoas que escolhem outros “cursos” porque a arqueologia tradicionalmente não dá para viver, ou só dá à custa da abdicação de alguns princípios e práticas que alguns consideram fundamentais, como o primado da investigação) e é alvo de tanto escárnio ou, pior, indiferença por parte dos poderes e dos saberes, públicos ou privados (com indiferença pela sua destruição contínua, como se não fosse um valor do território, mas antes uma excrescência). Por que razão é que as pessoas valorizam tanto – como “bem” e “recurso” a preservar – certos valores, e a outros são praticamente indiferentes, nem conseguindo ter sobre eles uma opinião consistente, informada? Ou seja, por que é que o “património arqueológico” é, ao mesmo tempo, sacralizado, ou canonizado, e carnavalizado? E qual desse património é assim “tratado”, por quem, e quando? Eis o que dá um interessante “retrato” de um pais e do mundo em que vivemos, com os seus paradoxos e contrastes avassaladores. Lado a lado, a exaltação por certos valores e a perfeita indiferença por outros, desde as pessoas às coisas. Em muitos pontos do planeta multidões morrem por dia em luta pela sobrevivência, ou em campos de batalha, mais ou menos incógnitas; noutras, multidões (igualmente incógnitas, mas cada uma composta por indivíduos com a sua motivação “muito própria”) fazem filas de horas à porta de museus para verem uma nova exposição, despertando curiosidade o que leva tanta gente a querer contemplar, simultaneamente em massa e cada um de forma pessoal, diferente.
O coleccionismo, por exemplo, é uma actividade bem antiga, e sabemos como a psicanálise surge ao mesmo tempo da arqueologia, da vontade de fixar o tempo em objectos, como tão bem se vê igualmente na fotografia, tudo fenómenos do séc. XIX.
Mas é realmente com o desenvolvimento do turismo de massas no séc. XX (e em ampliação constante) e a constituição da mobilidade quase como um princípio ontológico (se não viajo, não me produzo, quer dizer, não sou: para ser tenho de ser um vulto de mim – cultura da instantaneidade, do glamour, do espectáculo, da sedução) que o frenesim atinge o seu ápice. O frenesim de um mundo onde a profundidade é a pele, e onde a duração é a retenção fotográfica do instante, quer dizer, do que nunca antes tinha existido. Por isso as pessoas sacam de máquinas fotográficas e de telemóveis a todo o instante: são as “próteses de ligação”, de reconhecimento e de registo, de inscrição, de indivíduos totalmente desencantados.
É sobre este e outros “sintomas” que, sem ser sociólogo, nem filosofo, nem psicanalista, e reconhecendo que embora cada um desses campos tenha a sua herança própria, ele é, sobretudo para quem está de fora, um “campo de inspiração” – que me atreverei a falar, sobretudo na ânsia de ouvir os outros, a sua crítica, a sua reacção, ou seja, aquilo que talvez me ajude a pensar eventualmente melhor. É preciso abrir concavidades no saber para acolher, para ir mais longe do que o diálogo: para fazer da con-vivialidadade e da interacção sustentada uma nova forma de saber, de ser, e de viver. Substituir à postura assertiva (mesmo quando o parece) uma atitude de receptividade. Nesse sentido, a arqueologia está em rede com tudo o resto, uma rede onde passam correntes, por vezes, de alta tensão.



1 comentário:

Isabel Victor disse...

" É preciso abrir concavidades no saber para acolher, para ir mais longe do que o diálogo: para fazer da con-vivialidadade e da interacção sustentada uma nova forma de saber, de ser, e de viver. Substituir à postura assertiva (mesmo quando o parece) uma atitude de receptividade."


Essa é a questão ! Isso é o que raramente acontece. As pessoas falam para se ouvir.


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Sempre à escuta ...

um beijo * iv