terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Evocação breve


BREVE EVOCAÇÃO DE 23 ANOS (1989-2012) DE INVESTIGAÇÕES ARQUEOLÓGICAS NO CONCELHO DE VILA NOVA DE FOZ CÔA, NUMA PERSPECTIVA PESSOAL E SUBJECTIVA
por

Vítor Oliveira Jorge *

Fui a Freixo de Numão pela primeira vez em Janeiro de 1989, na companhia de vários colegas arqueólogos, na sequência de um convite feito pela ACDR de Freixo de Numão, na pessoa do seu director, Dr. António Sá Coixão, dirigido à Profa Susana O. Jorge no sentido desta estudar o sítio de Castelo Velho, que aquele arqueólogo tinha detectado.
Nesse dia de inverno quase nada vimos do Castelo Velho, situado nas imediações da (então) aldeia (actualmente vila), porque estava imerso em denso nevoeiro. Recordo o intenso frio que passámos, e a escuridão da “Casa Grande” (actual museu), ainda por restaurar, onde a ACDR guardava os materiais resultantes de trabalhos arqueológicos, e onde nos mostrou os artefactos encontrados naquela estação calcolítica. A paisagem da zona estava marcada por minúsculas formações de gelo que apareciam por toda a parte, à superfície das coisas, dando à vegetação, em particular, um carácter encantatório. Com as nossas máquinas fotográficas analógicas (infelizmente, porque nunca mais pude contemplar tal fenómeno, para mim inédito) tirámos quantas fotos pudemos.
Nesse ano de 1989 fiz as minhas provas de agregação na FLUP, e, apesar de ter sido submetido depois disso a uma operação cirúrgica importante, o médico garantiu-me que poderia estar plenamente recuperado em Setembro, aquando da primeira campanha no Castelo Velho, dirigida, como todas as seguintes até 2003, por aquela arqueóloga. Assim aconteceu.
As escavações realizaram-se anualmente, com excepção dos anos de 1995 (em que eu presidia ao Conselho Directivo da FLUP, enquanto decorria o “caso das gravuras do Côa”), e de 1996 (em que eu estava no Ministério de Cultura, em Lisboa, presidindo à Comissão Instaladora do IPA). Mas mesmo em 1995 e 1996 (até por causa do Côa) foram muitas as vezes que me desloquei à região.
Com mais ou menos meios, certamente com progressiva experiência adquirida, sempre com a colaboração empenhada e indispensável da ACDR e de António Sá Coixão, pode dizer-se que estes trabalhos constituíram uma escola importantíssima de arqueologia pré-histórica, não só para os estudantes, nacionais e estrangeiros, mas também para nós, quer fosse a responsável (SOJ), quer os colaboradores permanentes, entre os quais me encontrei.
Se de 1978 a 1994 eu trabalhara sobretudo em “megalitismo”, embora sempre acompanhando e participando activamente noutras escavações daquela arqueóloga (e até, mas pontualmente, doutros colegas) no Norte de Portugal, a partir de 1989 pude trazer à memória e à prática um velho interesse por sítios calcolíticos de altura, que me havia nascido enquanto estudante através da participação nas escavações do Zambujal (Torres Vedras) em 1968, dirigidas por arqueólogos alemães (Schubart/Sangmeister), numa experiência que foi então decisiva para mim enquanto futuro “escavador”.
De 1989 a 2005 (porque ainda houve trabalhos complementares enquanto se dava a “musealização do sítio”, numa acção devida ao apoio do IPPAR, posteriormente às escavações de investigação, por assim dizer) passaram por Castelo Velho muitas centenas de estudantes nacionais e de outros países da Europa e do mundo. Se juntarmos os participantes noutros trabalhos, por exemplo os de início dirigidos por mim e por João Muralha Cardoso, no sítio de Castanheiro do Vento (Horta do Douro – com uma cronologia e tipologia análogas às do Castelo Velho de Freixo de Numão, mas de muito maior escala) chegaremos provavelmente a milhares de pessoas participantes, tanto mais que as campanhas de escavações em Castanheiro do Vento (um sítio descoberto e salvo também graças aos esforços de A. Sá Coixão), iniciadas em 1998, prosseguiram ininterruptamente até ao presente (as últimas realizaram-se em Julho de 2012).
Castelo Velho seria finalmente inaugurado como sítio aberto ao público, com o seu “centro de recepção”, no início de Agosto de 2007, na presença do Secretário de Estado da Cultura e de numerosas entidades, colegas e amigos, vindos de todo o país.
As investigações da Pré-história da região, e em particular do concelho, têm contado com diversos outros contributos, de algum modo polarizados pelas pesquisas iniciadas em 1989, e incrementadas em 1998, e depois em 2001. Para além da constante presença no terreno de A. Sá Coixão (cujos esforços têm incidido predominantemente nas épocas do Ferro, romana e medieval, e se têm estendido a concelhos vizinhos, numa actividade verdadeiramente incessante), temos a destacar o trabalho de Sérgio Rodrigues no Prazo (Freixo de Numão), onde encontrou restos de uma ocupação neolítica (sobre a qual incidiu a sua tese de doutoramento apresentada à FLUP) e uma importante sequência estratigráfica na transição do Pleistoceno para o Holoceno. Há também que referir numerosos trabalhos de licenciatura e mestrado relacionados com a FLUP, e, evidentemente, tem de se destacar as teses de doutoramento de João Muralha Cardoso e de Ana Margarida Vale (ambas sobre Castanheiro do Vento, apresentadas à FLUP e dirigidas pelo signatário, as quais são obras muito valiosas). Está também em preparação um volume de maior fôlego sobre o sítio de Castelo Velho.
Os resultados desta actividade de pesquisa, que todos concordam ter aberto novos horizontes problemáticos ao estudo do Calcolítico e da Idade do Bronze em Portugal (por vezes nem sempre compreendidos, ou mesmo escamoteados em obras de alguns outros colegas, o que até já não surpreende quem tem a minha idade e tempo de investigação, mas só menoriza a nossa arqueologia) estão publicados em Portugal e no estrangeiro, em português, francês, e inglês, desde revistas locais como a “Côavisão”, até obras consideradas de referência.
Esses “horizontes problemáticos” – que é para os abrir que a investigação serve, e não tanto apenas ou sobretudo para fornecer produto acrescentado à indústria turística – estão expostos em inúmeros trabalhos, e foram evoluindo ao longo do tempo, como seria de esperar, à medida que nos fomos descolando das tipologias/nomenclaturas/interpretações ingénuas dominantes e fomos procurando outros caminhos, conscientes, como tenho dito repetidamente, de que o conhecimento se desenvolve mais por descarte do que por acumulação, e implica uma constante dialéctica de observações empíricas e formulações interpretativas, pressupondo uma permanente tentativa de afinação mútua de métodos e de “teorias”. Um e outro aspecto formam corpo, e só se distinguem devido à nossa tradição ocidental, científica e filosófica, de propensão para as dicotomias, à qual é praticamente impossível fugir, porque está inscrita na linguagem, no discurso, isto é, na configuração simbólica que sustenta a realidade.
Este breve texto – cujo signatário desde já pede compreensão para o intencional carácter alusivo, deixando muitas referências de fora, que ele tem – tentará, apesar de tudo, traçar sucintamente algumas linhas de força do que, de forma retrospectiva, se pode encarar como essencial nestas pesquisas, sobretudo se as centrarmos em torno das colinas monumentalizadas de Castelo Velho e de Castanheiro do Vento.
Historicamente, e descontando tudo o que qualquer periodização tem de convencional – e esta muito em particular -, podemos dizer que as pesquisas tiveram as seguintes fases:
1)  de 1989 a 1994 – fase inicial das escavações/interpretações de Castelo Velho
2)  de 1997/1998 a 2003 – da retoma das escavações em Castelo Velho (1997) e início das de Castanheiro do Vento até ao fim das pesquisas mais importantes em Castelo Velho
3)  de 2004 a 2012 – prosseguimento das pesquisas sobretudo em Castanheiro do Vento
A primeira fase, centrada no Castelo Velho, é a de contacto com uma realidade para nós nova, a do xisto, e a de um sítio de altitude cuja extensão, grau de conservação, espessura sedimentar, contexto arqueológico, cronologia exacta, etc., ainda se não conheciam. A investigação dessas realidades, acompanhada de leituras sobre o que se havia feito e estava a fazer e a pensar em países estrangeiros neste domínio, principalmente na Grã-Bretanha, levou ao abandono da ideia de “povoado fortificado” com que ainda se continua a caracterizar (a meu ver anacrónica e absurdamente) este tipo de sítios. Essa ideia cristalizou no trabalho que Susana O. Jorge apresentou a provas de agregação na FLUP em 1994, e publicou.
Percebeu-se que estas construções monumentais, profundamente ancoradas no lugar escolhido para a sua edificação, de articulavam com todo o território envolvente, e tinham um carácter excepcional, longe das funcionalidades simples de locais de vivência/habitação/defesa. Estavam sim associados a necessidades que não são tanto do domínio da sobrevivência física imediata, mas antes da constituição de entidades grupais, relacionadas com a implementação no território. Quer dizer, as questões da identidade e da constituição do laço social, comunitário, estavam aqui em causa, com toda a verosimilhança (ou, se quisermos, não podem hoje ser evitadas por nós).
Se a disputa existia, o que é verosímil (qual a sociedade ou comunidade em que, qual éden, nunca existem conflitos, contradições, interesses em jogo, etc. ?), ela seria sobretudo ao nível da marcação de espaços (como já havia acontecido desde o Neolítico com as necrópoles megalíticas), quer dizer, da segmentação de espaço em lugares significantes e interactivos.
Estes lugares ganhavam significação porque eram sítios para onde se traziam coisas heterogéneas de outros lugares, coisas essas que adquiriam assim um novo sentido. Usando uma metáfora, eram como “enxertos”, ou “citações”, que passavam a possuir, no novo contexto, necessariamente (até pelo seu aspecto frequentemente fragmentado/ não útil) um sentido novo. É até bem possível que, ao longo do tempo, essas coisas, em combinatórias diversas, fossem tendo a sua “história social/simbólica”, e mudando de sentido. De modo que estamos longe da ingénua pergunta tripartida que segundo Gordon Childe os arqueólogos fazem às realidades objectuais que encontram: quem fez isto? Quando o fez? Para que o fez? Se o nosso trabalho consistisse em responder a essas perguntas, por assim dizer, de antiquário, ele estaria fora da problemática moderna das ciências sociais, em que a arqueologia nasceu e se integra.
A própria estrutura arquitectónica destes lugares era necessariamente muito diferente daquela que a realidade arqueológica hoje mostra, a uma primeira vista. De facto, estamos perante construções que são maioritariamente em argila – e esta consciência adquirimo-la sobretudo na 2ª fase convencional de trabalhos acima referida.  Ora, o que encontramos ao nível do solo e chamamos “muretes” são embasamentos de paredes que, a atender à largura de tais embasamentos, seriam/poderiam ser de grande altura (estamos a referir-nos, em muitos casos, a vários metros de altura). Se assim era, em vez da visibilidade para a paisagem que se obtém dos sítios hoje, a vivência destes locais pareceria mais a da experiência de uma espécie de “labirinto”.
Vê-se pois claramente que, tal como já acontecia nas antas de corredor, com a sua dicotomia entre interior escuro e apertado, e exterior amplo e a céu aberto (átrio, por exemplo), estes dispositivos arquitectónicos a que chamamos colinas monumentalizadas se destinavam, antes do mais, a produzir diferenças no espaço, entre as quais diferenças de cota (mais alto, menos alto), de acessibilidade, etc., e, como toda a arquitectura, a “impor” percursos, ou seja, repetições de atitudes, de movimentos, etc., que certamente tinham conotações que poderiam estar ligados com permissões/interdições, quer dizer, com a cristalização de distinções de status.
Mas, mais a montante disso – e isto também é uma aquisição que fomos obtendo ao longo da segunda fase de trabalhos – o próprio gesto arquitectónico de modo algum se poderia encarar como a simples concretização, no terreno, de um plano, ou projecto, ou desenho preconcebidos, à maneira dos arquitectos actuais. Esse “mentalismo” não faria sentido nestas sociedades. A criação/recriação/negociação do laço social poderia fazer-se através da construção mesma, ou seja, o acto de construir era mais importante do que a própria construção (e suas eventuais “finalidades”) em si. Tratava-se possivelmente – e a arqueologia, como qualquer saber, consiste em lidar com os “possíveis”, isto é, com o estabelecer de explicações verosímeis, face aos conhecimentos actuais – de congregar vontades através de uma crença partilhada, de uma ideologia. Afinal a mesma linha de interpretação que nos leva a explicar a “razão de ser” de grandes monumentos em sociedades não-estatais ou mesmo estatais iniciais, cuja capacidade de “mobilização de mão de obra” nada teria a ver com aquilo que acontece nas sociedades capitalistas modernas, baseadas na mercantilização da força de trabalho. Peço desculpa de chamar a atenção para coisas tão básicas, mas tão frequentemente esquecidas por alguns dos meus colegas que estudam estas matérias.
A escavação do Castanheiro do Vento, cuja área relativamente protegida é maior do que a do Castelo Velho, e cuja escavação procurou mais desenvolver-se em área do que em profundidade (opção ou precaução também imposta pela escassez de meios) a partir de 1998 (embora só em 1999 as escavações tivessem tido um arranque mais significativo) teve um efeito de refluxo útil sobre o Castelo Velho, como a experiência desta tinha sido e foi sempre fulcral para a de Castanheiro. É óbvio que, apesar das especificidades de cada local, ambos têm afinidades evidentes, cronológicas, culturais, etc., e que os estudos dos dois mutuamente se enriquecem. É o mesmo “mundo” de problemas arqueológicos.
Estou convencido de que não eram apenas os topos das colinas que eram alvo de transformações/construções. As próprias colinas certamente seriam escolhidas pela sua morfologia e localização no território, e as encostas (como aliás se verificou amplamente em Castelo Velho, zona sul) eram alvo de transformações/construções. Essa questão tem a ver com problemas de visibilidade a partir dos vales, onde presumivelmente decorreriam com predominância as actividades das populações, e onde estariam os tais “povoados” (a admitir um povoamento concentrado de tipo aldeia para o qual parecem apontar as imaginações dos colegas que continuam a usar a nomenclatura de “povoados”). No próprio Castanheiro do Vento, na encosta voltada à ribeira de Teja, existem (deslocados pelas máquinas de plantação do terreno para o plantio de eucaliptos), dois enormes menires, que bem poderiam estar postados “face ao vale”. E tudo isto são certamente magros vestígios de algo de muito mais amplo e envolvente.
O que há de mais importante para perceber seja o que for é obviamente sempre a coisa em si e o seu contexto (ambos são entidades ou objectos convencionalmente recortados, definidos, caracterizados), e um jogo de constante focagem/desfocagem em ambas. A chamada arqueologia pré-histórica, e em particular o estudo do que convencionámos chamar as arquitecturas, entende-se melhor pelo recurso à antropologia (quer de povos “exóticos”, quer de nós mesmos), mas não só. Implica, muito mais a montante, uma teoria, por muito embrionária que seja, do que significa ser humano, ser um sujeito, e como tal nascer e viver numa comunidade.
Uma comunidade forma-se e transforma-se pela partilha/negociação de sentidos, que nunca são fixos, mas pertencem a um campo de forças. A comunidade é um regime de tensões (aquilo que para o capitalismo Marx com argúcia chamou a “luta de classes”). É um terreno de jogo de “interesses”, que não são independentes de desejos, de ideologias, de toda uma complexidade social que vai muito para além da aparente fixidez com que a realidade arqueológica (mesmo quando muito bem “conservada”... é quando nos “engana melhor”...) nos aparece.
Saber conviver com esta complexidade, depois de Marx, de Freud, de Lacan, de milhentos autores contemporâneos das ciências sociais e afins que nos alertaram para a complexidade da subjectividade e da intersubjectidade, da construção de identidades, etc., é também capital para se ser um arqueólogo advertido e não se cair no realismo ingénuo das interpretações supostamente sugeridas pelos “dados”. Nada é dado, nada é grátis nesta vida, nem mesmo as conclusões científicas ou as certezas filosóficas. Tudo é motivo de disputa, sim, mas muito mais subtil do que a própria guerra, uma disputa que começa nos sujeitos, no seu inconsciente.
É a convivência com esta complexidade, com esta interrogação (que não significa relativismo, mas antes implica a ideia de que nunca algo está definitivamente adquirido, de que a realidade nos exige um esforço permanente de entendimento e portanto uma grande atitude de suspeita) que distingue um investigador de um técnico.
Mas, idealmente, seria bom que, um dia, houvesse mais investigadores, e que todos os técnicos fossem bons investigadores e todos os investigadores “bons técnicos”.
Castanheiro do Vento, na área conservada da sua plataforma superior, mostrou-nos uma realidade que é difícil de interpretar porque, como sempre acontece em pré-história, e em particular neste período (III-primeira metade do II milénios a. C.), não sabemos quais as estruturas que eram coevas umas das outras. Há algumas sobreposições, isto é, há casos de diferentes temporalidades comprovadas; aí, nessas excepções, e tal como em arte rupestre, temos a possibilidade de determinar um antes e um depois (quando as estruturas se intersectam, uma em parte “condenando” a outra). Mas não é a situação mais frequente. Há também nítidos “acrescentamentos” (como na estrutura superior que designamos “torre”), que implicam transformações arquitectónicas evidentes. Mas estes casos não são os mais comuns.
Em geral, o topo de Castanheiro do Vento aparece como um dispositivo de várias paredes concêntricas, que podiam ser altas, e nas quais se notariam protuberâncias semi-cilíndricas (os “bastiões”, dentro dos quais há estruturas menores) e entradas, passagens, que obviamente seriam, em cada parede, “janelas” de observação dos espaços adjacentes, interior e exterior, e limiares simbólicos. O simbolismo destes limiares está claramente atestado arqueologicamente, pela forma elaborada de construção, nos mais bem conservados.
Aquilo que designamos “torre” deve ter sido um “bastião” (e portanto parte de uma parede), “bastião esse que depois sofreu transformações, que a dada altura envolveram uma estrutura em forma de corredor de acesso a um eventual interior, tendo possivelmente depois ocorrido o enchimento de todo o espaço tornado circular, e possível embasamento gigantesco de uma verdadeira torre, que podia elevar-se acima das outras paredes.
Mas todo o dispositivo de muretes e “bastiões” do topo do Castanheiro do Vento, em sua forma para-circular, concêntrica, dando em planta uma imagem que lembra uma flor com pétalas, parece estranha e paradoxalmente resultar de um certo “plano” de conjunto. Nos interstícios, isto é, nos espaços entre paredes, havia estruturas circulares maiores ou menores, em forma de recintos ou de “cabanas”, que não mostram para já sobreposições (ou pelo menos essa não é a impressão predominante no actual estado dos trabalhos). Haveria ali um “horror ao vazio”, pelo menos em determinado momento, com um preenchimento de quase toda a superfície do topo por estruturas coevas (ou aproximadamente coevas), e apenas o deixar de pequenos espaços de passagem entre elas, quando não havia mesmo obturação destes (como se nota no recinto de Castelo Velho)?
Como sempre em qualquer pesquisa, uma observação abre para um leque de questões, num jogo sempre em aberto, em que algumas cartas vão sendo “descartadas”, mas em que o baralho está sempre a complicar-se em quantidade e qualidade.
Esperemos que nos anos vindouros seja possível continuar a investigar o Castanheiro do Vento. O seu abandono, por falta de meios, dada a política de contracção de tudo quanto não é imediatamente rentável, seria a segunda morte do sítio, como já aconteceu com tantos outros. Para os investigadores que ali passaram seria pena, mas a maior perda, evidentemente, seria a de se ter deixado morrer uma escola que, por alguns anos, tentou ombrear com o que de melhor se tem feito e pensado na Europa no domínio das arquitecturas das sociedades da pré-história recente.

Loures, Fevereiro de 2013.



(*) Investigador do CEAUCP. Professor catedrático aposentado da FLUP. E-mail: vitor.oliveirajorge@gmail.com
Escreve segundo a antiga ortografia.

Sem comentários: