quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Apocalipse

Como sabemos, o debate público/privado é tão antigo quanto pelo menos os gregos na nossa cultura ocidental.
O que se passa porém neste momento a nível nacional, europeu, e mundial, é um fenómeno muito peculiar da história, que certamente terá diversas interpretações de acordo com a opção político/ideológica de cada um, expressa ou tácita. É um problema de filosofia política, em última análise, obviamente.
Parece porém ser geral a opinião (a impressão, para não dizer a aflição) de que estamos num momento particularmente inquietante e grave no sentido de que a crise do capitalismo que atravessamos não é exactamente como outras. O sistema capitalista, implantado há séculos no Ocidente, e hoje globalizado, alimenta-se precisamente da inquietude e crise, vivendo sobretudo do lucro no curto prazo. Mas enquanto no chamado Estado social (ou Estado-providência, para que ainda aponta a Constituição), e que era a face optimista/humanitária do sistema (a oposta foram os fascismos) se prometia a redistribuição de uma parcela desse lucro através do Estado, em bens e serviços aos cidadãos, acontece que agora a finança internacional parasitou o sistema e, para superar a crise a favor do lucro (de poucos), está a condenar à pobreza e à miséria a maioria dos cidadãos e dos bens/serviços que lhes foram prometidos. Apresenta-se como credora, ditando as regras do jogo e condicionando os governos como muito bem quer, ainda por cima sob o aspecto de virtuosos adiantamentos de capital a juros por ela mesma determinados. Mas foi tal finança que levou à criação (subjectiva e objectiva) da situação caótica que, se levada ao extremo, a ela própria a médio prazo a ameaça.  Evidentemente que o problema que se põe, de carácter apocalíptico diria, é saber como poderá um tal sistema existir, numa forma altamente sofistiscada e tecnológica de dominação, condenando o ser humano a “homo sacer”, no sentido que lhe dá G. Agamben, inspirado no direito romano (ver o livro “Estado de Excepção”, publicado pelas Ed. 70). Na verdade, quando já não houver senão uns poucos consumidores (nome actual dos cidadãos), nem trabalho/empregos para a maior parte, e o sistema de segurança social colapsar (hoje um jornal diz que será em 2020) mas apenas eventualmente tecnologia altamente sofisticada, gostaria de ver a que tipo de filme de ficção científica os então ainda sobreviventes assistirão.
Nesta situação inédita na história, que nos coube viver, o património cultural e em particular a arqueologia com que sonhámos (qualquer que fosse o lugar/modo como tentámos e tentamos pô-la em prática) são (quase) invisíveis.

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