terça-feira, 30 de março de 2010

variação improvisada sobre o poema do M. Torga transcrito pela Mafalda Bettencourt


recomeça sempre,
pois mesmo que o não queiras
é assim que forçosamente estás:
não houve início,
nem haverá fim, estamos sempre
a acabar e a começar, e a passar
entre o antes e o depois, nessa fresta
do presente que também foge.

e não há caminho: mas uns pés
que na sua nudez fascinam, e nos levam
a segui-los, a fugir atrás deles
para todas as praias onde vêm bater
as imagens alucinantes, as ilusões do futuro.

por isso vive sempre
descalça: e descalça entra nas estações,
cantando ou chorando,
descalça entra nos quartos recolhidos,
descalça escreve, ou pinta, ou ama.
conservando entre os dedos a areia,
o odor dos búzios, o apelo do mar livre,
a maresia e o iodo que entram
pelos corredores do verão como enxurrada.

abre-te ao futuro, abre-te ao mar,
abre-te à fresta do presente, o que foge,
segue a intuição, o desejo, a tremura
das folhas juvenis:

pois não há outra beleza
para além da juventude do mundo.

e essa beleza está em ti, nas tuas mãos,
no que fazes aqui e agora, nos pés nus
em que entrelaças os teus,
na energia de toda a praia estendida,

quando vista do teu corpo deitado.



voj.

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